"Um espectro ronda o mundo do trabalho no Brasil - o espectro do fim da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)" O comentário é de Ruy Braga, sociólogo em artigo no blog da boitempo, 06/10/2014.
Políticos e Organizações Patronais uniram-se em uma Santa Aliança para pressionar o Congresso pela aprovação do Projeto de Lei nº 4330/2004 do deputado e empresário do setor de alimentos, Sandro Mabel (PMDB-GO) . Este projeto autoriza a terceirização de qualquer função nas empresas. Na mesma direção, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprecia o recurso da fabricante de celulose Cenibra condenada em todas as estâncias por terceirizar trabalhadores em suas atividades-fim. O relator, ministro Luiz Fux, acolheu o recurso da indústria e o processo aguarda parecer da procuradoria-Geral da República. Uma eventual vitória da Cenibra afetaria toda a regulação jurídica das relações de trabalho no país. A ofensiva patronal sobre os direitos trabalhistas não tardou a repercutir no debate eleitoral. No programa de governo da candidata Marina Silva, por exemplo pôde-se ler: "existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre a terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas são atividades-fim das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor (comercio e serviços), reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior renda".
Resta saber como a candidata pretende "disciplinar a terceirização" e, ao mesmo tempo "assegurar o respeito às regras de proteção do trabalho" Simpatizantes da candidata pessebista, o empresário Benjamin Steinbruch decidiu fustigar a CLT em uma entrevista concedida à Folha de S. Paulo no início da semana passada. Após entoar a indefectível cantilena sobre o elevado custo do emprego no Brasil, o dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) reivindicou "um país leve na lei trabalhista", isto é, com jornada mais flexível, idade legal diminuída e horário de almoço encurtado." (...) Não precisa de uma hora de almoço. se você vai a numa empresa dos EUA, você vê o trabalhador comendo sanduiche com a mão esquerda e operando a máquina com a mão direita. Tem 15 minutos para o almoço". Se implementada, a proposta de Steinbruch de substituição do legislado pelo negociado nas relações trabalhistas implicaria no fim da CLT. De quebra, ameaçaria o Fundo de Garantia do Tempo de serviço (FGTS), o vale transporte e o vale-alimentação. Em um país com altas taxas de rotatividade, onde o valor do salário do recém-contratado tende a ser menor do que o do demitido, alguém acredita que a "redução pela metade dos direitos trabalhistas" iria realmente parar no "bolso do trabalhador"?
Ao tomar conhecimento das opiniões do atual presidente da Federação das Industrias do Estado de São Paulo (FIESPE), um desavisado concluiria que o Brasil é o paraíso da proteção trabalhista, onde demitir é praticamente impossível, os salários são altos, as relações contratuais são rígidas e não há terceirização. na realidade, o percentual médio do trabalho informal no ano passado ainda era de 33% da População Economicamente Ativa (PEA). Dados do (DIEESE), indicam que a taxa de rotatividade, especialmente saliente entre os jovens, cresceu entre 2003 e 2012, de 52% para 64%. Esta taxa atinge 53% dos trabalhadores em vários setores da indústria de transformação. A respeito da terceirização, o quadro permanece desalentador. de acordo com a Confederação Nacional da Industria (CNI), nos últimos três anos, cerca de 70% das industrias brasileiras contrataram empresas terceirizadas. Dos 50 milhões de trabalhadores com carteira assinada do país, 12 milhões são terceirizados, recebendo, em média, salários 30% inferiores em relação aos contratados diretamente. Além disso, eles são mais vulneráveis tanto aos acidentes de trabalho, quanto as condições análogas à escravidão. Caso fosse levada adiante, a agenda advogada por Steinbruch deterioraria ainda mais uma condição social já calamitosa.
Ao contrário do que muitos imaginam, a CLT não foi uma dádiva de Vargas aos pobres. Antes, ela resultou de duas décadas e meia de lutas sociais e da institucionalização de direitos trabalhistas contra abusos de uma classe empresarial herdeira do éthos escravocrata. Além disso, a CLT atraiu milhares de trabalhadores rurais para os grandes centros urbanos em busca de oportunidades e de proteção social. Assim, a legislação trabalhista ajudou a criar a classe operária necessária à expansão do moderno Parque Industrial Brasileiro cujo marco foi a própria CSN - vendida em 1993, ao empresário Benjamin Steinbruch. Em suma, a ameaça à CLT não expressa o embate das forças vanguardistas da globalização econômica contra o que restou do atrasado poder corporativo dos sindicatos. Na verdade, testemunhamos a desforra de organizações empresariais passadistas pela ousadia do subalterno de apropriar-se da linguagem dos direitos sociais. O que o Projeto de Lei nº 4330/2004, o recurso da Cenibra ao STF, o programa de governo marinista e a agenda de Steinbruch buscam ocultar é a incompetência histórica de uma classe empresarial retrógrada que, a fim de ampliar suas margens de lucro, ao invés de alcançar ganhos de produtividade investindo em inovação e tecnologia, contenta-se em investir contra os direitos dos trabalhadores.
Fonte: Instituto Humanistas Unisinos
Comentários de Ruy Braga, sociólogo em artigo no blog da boitempo
Digitado por Livre para Voar em 10/10/2014 às 19h30
Nenhum comentário:
Postar um comentário