Entrevista especial com Guilherme Dutra
“Brasil continua sem um plano nacional de contingência para lidar com vazamentos de grande escala. Se isso ocorrer em uma área sensível, será uma catástrofe”, adverte o biólogo.
Confira a entrevista.
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“O Brasil tem avançado muito pouco na agenda de proteção dos ecossistemas marinhos. Hoje, menos de 1,6% de nossa Zona Econômica Exclusiva – ZEE encontra-se em algum tipo de unidade de conservação”, diz Guilherme Dutra à IHU On-Line em entrevista concedida por e-mail. Para ele, a oferta de mais de 170 blocos de petróleo em áreas onde a biodiversidade ambiental é pouco conhecida, oferecida na 11ª Rodada de Licitações da Agência Nacional de Petróleo – ANP, “põe em risco não somente a biodiversidade, mas também os serviços que dependem dela, como a pesca, o turismo, a fixação de carbono, a proteção da costa”.
Dutra questiona a venda de blocos de petróleo que estão em áreas pouco estudadas. “Esse procedimento é arriscado para todos”, afirma. E questiona: “Se as áreas concessionadas mostrarem-se de grande risco após os estudos de impacto ambiental? O Ibama vai negar a licença e a ANP vai devolver os lances recordes recebidos das empresas? Quem vai arcar com os prejuízos e riscos? O correto seria obter dados primários antes das concessões, o que passou longe de ocorrer. Empurraram-se os conflitos para frente”.
Guilherme Dutra é biólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e mestre em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É diretor do programa marinho da Conservação Internacional – CI no Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor vê o processo da 11ª Rodada de Licitações, da Agência Nacional do Petróleo – ANP e quais os possíveis impactos ambientais?
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Guilherme Dutra – Vejo com preocupação. O Brasil tem avançado muito pouco na agenda de proteção dos ecossistemas marinhos. Hoje, menos de 1,6% de nossa Zona Econômica Exclusiva – ZEEencontra-se em algum tipo de unidade de conservação, o que está muito abaixo do necessário para proteger sua biodiversidade. A oferta de blocos de petróleo, sem a definição prévia das áreas que devem ser protegidas, põe em risco não somente a biodiversidade, mas também os serviços que dependem dela, como a pesca, o turismo, a fixação de carbono, a proteção da costa. Além disso, o Brasil continua sem um plano nacional de contingência para lidar com vazamentos de grande escala. Se isso ocorrer em uma área sensível, será uma catástrofe.
IHU On-Line – O que se conhece das bacias situadas na margem equatorial, onde estão localizados 170 dos 289 blocos ofertados pela 11ª Rodada de Licitações?
Guilherme Dutra – Realmente é uma das regiões menos conhecidas do país. O que sabemos é que estão ali os mais bem preservados e mais extensos manguezais do nosso Brasil, que abrigam uma grande produção pesqueira e que sustentam milhares de famílias. Ao mesmo tempo, os manguezais estão entre as áreas mais sensíveis avazamentos de óleo. Mas, como não conhecemos bem as correntes nestas áreas, é difícil dizer o que aconteceria no caso de um vazamento.
IHU On-Line – Quais as áreas de preservação que estão próximas aos blocos?
Guilherme Dutra – Há blocos próximos de várias unidades de conservação, incluindo os seguintes: a APA Costa dos Corais (PE/AL), o Parcel de Manoel Luiz (MA), as RESEX localizadas na costa do Maranhão e Pará e até do Parque Nacional de Cabo Orange, que detém um dos maiores manguezais preservados do país.
IHU On-Line – Caso ocorra um vazamento de óleo durante a extração de petróleo nessa região, quais os riscos de atingir as unidades de conservação?
Guilherme Dutra – Se acontecerem vazamentos e o óleo chegar a estas áreas, os impactos serão enormes. Todas possuem manguezais ou recifes de corais que estão entre os ambientes mais sensíveis ao toque de óleo. Em algumas áreas as perdas seriam irreversíveis.
IHU On-Line – Como é possível que a ANP ofereça os blocos e as empresas os comprem, sendo que se trata de uma área pouco estudada? Qual seria o procedimento correto a ser feito nesse caso?
Guilherme Dutra – Esse procedimento é arriscado para todos. E se as áreas concessionadas mostrarem-se de grande risco após os estudos de impacto ambiental? O Ibama vai negar a licença e a ANP vai devolver os lances recordes recebidos das empresas? Quem vai arcar com os prejuízos e riscos? O correto seria obter dados primários antes das concessões, o que passou longe de ocorrer. Empurraram-se os conflitos para frente.
Na região dos Abrolhos, quando o governo planejou oferecer blocos, fizemos simulações que mostravam que vazamentos moderados de óleo atingiriam os recifes da região há distâncias de até 150 quilômetros, dependendo da situação de ventos e correntes. Felizmente o governo mudou de ideia. Será que fará o mesmo agora?
IHU On-Line – O que isso demonstra sobre a agenda ambiental do governo brasileiro?
Guilherme Dutra – Que ela é essencialmente reativa. Isso leva os conflitos para quem está na ponta, para o técnico que tem que analisar o EIA e não para o tomador de decisão. Isso é muito ruim para todos.
IHU On-Line – É possível explorar o petróleo e preservar o meio ambiente?
Guilherme Dutra – É possível, mas para isso é necessário planejamento. Precisamos pensar no futuro de forma mais ampla e sensata. Um esforço nacional de planejamento marinho diminuiria muito os conflitos do uso desta parte do território. Assim como planejar e tornar mais eficiente nossa matriz energética renovável reduziria muito nossa dependência do petróleo.
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Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
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