sábado, 7 de dezembro de 2013

O período na prisão foi importante para ele perder a raiva


"O tempo em que ele passou na prisão foi crucial. O sofrimento torna as pessoas amargas, mas enobrece outras. A prisão virou uma prova de fogo que queimou tudo que era ruim. As pessoas nunca podiam dizer a Mandela: "você fala em perdão da boca para fora. Você não sofreu. O que sabe sobre prisão?" Vinte e sete anos lhe conferiram essa autoridade", testemunha Desmond Tutu, arcebispo emérito e Nobel da Paz pela luta contra o apartheid, em artigo publicado pelo The Guardian e reproduzido  pelo jornal Folha de São Paulo, em 07 de dezembro de 2013. Durante 27 anos conheci Nelson Mandela só por sua fama. Eu o tinha visto uma vez no início dos anos 1950. Depois disso, só fui encontra-lo em 1990.Quando Mandela saiu da prisão, muitas pessoas temiam que ele revelasse ter os pés de barro. A ideia de que pudesse confirmar sua reputação parecia boa demais para ser verdade.
Espalhou-se um cochicho dentro do CNA (Congresso Nacional Africano), partido de Mandela de que ele tinha sido muito mais útil na prisão do que fora dela. Quando ele saiu, aconteceu a coisa mais extraordinária. Embora muitos da comunidade branca ainda o tachassem de terrorista. Mandela tentou compreendê-los. Seus gestos comunicavam sua posição com mais eloquência que palavras. Por exemplo: chamou seu carcereiro branco para ser convidado VIP em sua posse na Presidência. Também convidou à residência oficial as viúvas de lideres brancos. Betsie Verwoerd, cujo marido HF Verwoerd, foi assassinado em 1966, não pôde ir porque estava doente. Ela vivia em Oranje, onde os africânderes (descontentes dos colonizadores holandeses) se congregavam para viver com exclusividade. E, como ela não pôde ir, Mandela deixou tudo de lado e foi tomar chá com ela, naquele lugar.
Ele dizia a respeito dos africânderes: " Dá para entender muito bem o que devem estar sentindo." Mandela fez um gesto de conciliação com eles usando o " springhok" (uma espécie de gazela sul-africana), símbolo da equipe nacional de rúgbi, rejeitada por muitos negros por ser um esporte ligado aos brancos. O golpe de mestre de Mandela foi na final da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995, quando ele entrou no campo usando o agasalho da seleção. Quase qualquer outro líder político teria parecido desastrado fazendo isso, mas Mandela o fez com elegância. O público inteiro, provavelmente 99% de brancos, explodiu em gritos de "Nelson! Nelson!". Foi extraordinário. E quem teria acreditado que o povo dos "townships" (subúrbios negros) comemoraria uma vitória sul-africana no rúgbi? É claro que já o vi com raiva. Após o massacre de Boipatong, em 1992, em que morreram 42 pessoas, o CNA abandonou as negociações, e Mandela ficou lívido. Ele afirmou que o serviços de inteligência tinham avisado (o presidente) FW de Klerk que algo fora do comum ia acontecer. Não sei se De Klerk ignorou o aviso. Mandela disse que estava claro que vidas negras não significavam nada para eles.
Em outra ocasião, Mandela me disse que, ele e De Klerk estavam na cerimônia do Nobel da Paz, em Oslo, algo o deixou profundamente aborrecido. Havia um grupo cantando "Nkosi Sikelel' iAfrica" visto como hino da luta pela libertação, e De Klerk e a mulher dele continuaram a conversar durante o hino - não demonstraram respeito. Mas sua raiva nunca superava sua paciência ou sua capacidade de perdão. As pessoas diziam "vejam o que ele conquistou em seus anos de governo - que desperdício foram aqueles 27 anos passados na prisão". Mantenho que seu período na prisão foi necessário porque, quando foi preso, estava cheio de raiva. Mandela era relativamente jovem e tinha sido vítima de um erro da Justiça; ele não era estadista, disposto a perdoar - era o comandante em chefe da ala armada do partido, que estava inteiramente disposta a recorrer à violência.
O tempo que ele passou na prisão foi crucial. O sofrimento torna alguma pessoas amargas, mas enobrece outras. A prisão virou uma prova de fogo que queimou tudo o que era ruim. As pessoas nunca podiam dizer a Mandela: "Você fala de perdão da boca para fora. Você não sofreu. O que sabe sobre o perdão?". Vinte e sete anos lhe conferiram essa autoridade. Um dos maiores traumas de sua vida foi o que aconteceu entre ele e Winnie (ex-mulher). Mandela realmente a amava. A mágoa de terem se separado depois dele sair da prisão foi profunda. Foi maravilhoso ele ter conhecido Graça, mas a gente se entristece um pouco, porque Winnie passou por tanta coisa, e teria sido afinal perfeito se os dois tivessem vivido felizes para sempre.
A melhor maneira de recordar Mandela é pegar aquilo que ele ajudou a criar e converter em sucesso. Mandela tinha clareza quanto ao fato de que ninguém é indispensável. Ele fazia questão de destacar que ninguém era maior que o movimento. Mas sabemos que não era assim. Qualquer pessoa que se torna líder, em qualquer lugar do  mundo, sabe que ele é uma referência. E preciso  perguntar a si mesmo: o que posso aprender com ele?
" Quando alguém tem forças para vencer a si mesmo, nasceu para grandes empreendimentos"
                                                                                                                                 Lacordaire
Iracema Alves / jornalista cadeirante - por mim digitado em 07/12/2013
Participação: Wiglinews

Nenhum comentário:

Postar um comentário