Existem registros de ocorrência de secas no nordeste do país desde do século 17, e desde o século seguinte, o poder central português já planejava meios de combate-la, como registrou o pesquisado Francisco Jácome Sarmento. "A primeira aprovação de verbas para combater consequências da secas deu-se pós-independência (1822), resultante da grande estiagem de 1824-35 (...). Antes registrou-se a gênese das frentes de emergência ( no período seco 1721-25), quando navios trouxeram mantimentos para os que aceitassem trabalhar nas obras públicas nas novas vilas", escreveu na obra Transposição do Rio São Francisco - "realidade e obra a construir".
A reportagem é de Marcia Dementshuk, publicada pelo sítio A Pública, em 07/02/2014.
Uma história que João Ferreira Filho, tenente-coronel da reserva do Exército Brasileiro conhece muito bem. Engenheiro especialista em obras na área hídrica, Ferreira Filho conta que os dois anos de estiagem que o Nordeste enfrentou no tempo do Império - 1844-1845 - motivaram o intendente da comarca do Crato, no Ceará, Marcos Antônio de Macedo, a propor um projeto para trazer água do São Francisco para seu estado. O canal partiria de Cabrobó, em Pernambuco, para abastecer o Rio Jaguaribe, um dos principais do Ceará.
Foi o primeiro projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, elaborado em 1847. Trinta anos se passaram sem que o imperador Dom Pedro II tomasse conhecimento do ousado plano, até que o Nordeste enfrentou outro período de secas, entre 1877 e 1879. Desistiu de retomá-lo, porém, porque estudos feitos pelo Barão de Capanema, demonstraram não haver recursos técnicos para fazer com as águas transpusessem a Capada do Araripe, localizada na divisa dos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco. Por isso, a primeira ação de combate a seca acabou sendo a construção do açude do Cedro, em Quixadá, no Ceará, vinte anos depois.
Foi o primeiro projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, elaborado em 1847. Trinta anos se passaram sem que o imperador Dom Pedro II tomasse conhecimento do ousado plano, até que o Nordeste enfrentou outro período de secas, entre 1877 e 1879. Desistiu de retomá-lo, porém, porque estudos feitos pelo Barão de Capanema, demonstraram não haver recursos técnicos para fazer com as águas transpusessem a Capada do Araripe, localizada na divisa dos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco. Por isso, a primeira ação de combate a seca acabou sendo a construção do açude do Cedro, em Quixadá, no Ceará, vinte anos depois.
Em 1909, o governo republicano de Afonso Pena criou a Inspetoria de Obras Contra a Seca (embrião do atual Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - (Dnocs). A transposição chegou então a ser cogitada pelo primeiro presidente, Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, mas em agosto de 1913, ele desistiu de implementá-la novamente por causa da elevação de 160 metros na área da Chapada do Araripe, que interromperia o curso da águas. Miguel Arrojado defendia que o problema do Nordeste era educação, conforme proferiu em conferência dia 23 de agosto de 1913, no clube de Engenharia do Rio de Janeiro, conforme consta no arquivo do Departamento de Obras Contra as Secas (Dnocs) e da Biblioteca Nacional. " Chegamos, assim, aos mais graves de todos os problemas: o da educação! Só ela, unicamente ela, permitirá que o povo goze de sã higiene, aprenda e aperfeiçoe a irrigação, promova a indústria compatível com a ambiência, adote a fenação e use o silo, não abandone o gado e melhores-lhe a raça, facilite-lhe a água não contaminada, devolva as culturas nas grandes várzeas irrigadas, abra por si poços, faça açudes, compreenda, enfim, a importância deste grande esforço que está sendo empregado em prol de seu bem-estar".
Em viagem à Europa, Epitácio Pessoa, presidente entre 1919 e 1922, encontrou a solução para o problema da elevação da capada junto ao engenheiro português Fonseca Rodrigues: se houvesse uma queda d'água na jusante de Cabrobó, em Pernambuco, então seria possível geral energia hidráulica e mecânica para transpor a Capada do Araripe. Quando assumiu a presidência, Epitácio pessoa inseriu a Transposição da Chapada do Araripe e a implantação de açudes entre suas ações prioritárias. Ele deu ordens para a construção de 205 grandes açudes - a maioria abastecida pelas águas do São Francisco -, 220 poços profundos e cerca de 500 Km de ferrovias. Mais uma vez, porém, essas obras foram interrompidas: uma fiscalização chefiada por Cândido Mariano da Silva Rondon constatou desvios de recursos, o famoso "Relatório Rondon", de 1922. Já assisti este filme e continuo abominando esta praga de outras gerações (grifos meus). O tenente-coronel João Ferreira Filho, que acompanha de perto os projetos de combate à seca desde os anos 80, relembra outro projeto de transposição. "Em 1982 eu estava no 1º Grupamento de Engenharia, sediado em João Pessoa (PB) e recebi a missão de acompanhar o projeto do coronel Mário Andreazza para a transposição do São Francisco.
O era abrangente: envolvia os rios São Francisco, Parnaíba, Tocantins, com previsão para ser realizado em 40 anos. Seriam redirecionados, ao final, 330 metros cúbicos por segundo do Rio São Francisco e 300 do Rio Tocantins, a um custo estimado em US$3,3 bilhões. "O farto e chuvoso inverno de 1984 3 também questões políticas paralisaram a execução do projeto", lamenta o coronel Ferreira. Nesse período a população brasileira acompanhava pela mídia o sofrimento do povo nordestino na seca que durou de 1979 a 1983. O fato das secas nordestinas serem cíclicas já havia sido preconizado em 1977 pelos pesquisadores Carlos Girardi e Luiz Teixeira, do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP). Mas informação era mantida em segredo pelo governo militar. os pesquisadores previram secas com duração de cinco anos a cada 26 anos, e secas de menor intensidade, com duração de três anos, a cada 13 anos. "Como eu estava no ITA (Instituto de Tecnologia da Aeronáutica), naquela época, tive acesso a esta pesquisa. O argumento para o sigilo era o pavor e o descontrole que ria gerar na população", lembra o coronel Ferreira.
A seca de 1991 a 1993 foi menos intensa, mas foi ampla, atingindo também Fortaleza e Ceará, Campina Grande, e Paraíba. Ciro Gomes, então governador do Ceará, construiu o Canal do Trabalhador em apenas 90 dias para abastecer Fortaleza, trazendo águas do Rio Jaguaribe. Na Paraíba, o governador na época, Cícero Lucena, pleiteou sem sucesso recursos federais para construir a adutora de Moxotó para abastecer campina Grande com águas do Rio São Francisco, a ser realizado em 180 dias em caráter emergencial. A seca terminou em 1994 e o projeto não chegou a sair do papel. De acordo com o coronel Ferreira, a seca de 1997 a 1999 foi ainda mais abrangente. Desta vez entraram em colapso os sistemas de abastecimento de água de Fortaleza, recife e Caruaru (PE), campina Grande (PB) e João Pessoa. "O Recife era abastecido por água que vinha de navio, da Bahia. Na Paraíba o transporte de água até o município de Soledade era feito de trem e chegava ao preço de uma grama de ouro o metro cubico", conta.
De acordo com o coronel Ferreira, a seca de 1997 a 1999 foi ainda mais abrangente. Desta vez, entraram em colapso os sistemas de abastecimento de água de Fortaleza, do Recife, Caruaru (PE), Campina Grande (PB) e de João Pessoa. “O Recife era abastecido por água que vinha de navio, da Bahia. Na Paraíba o transporte de água até o município de Soledade era feito de trem e chegava ao preço de um grama de ouro o metro cúbico”, conta.
Assim, mais uma vez, a ideia da transposição de águas do Rio São Francisco voltou à pauta. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso determinou a elaboração de um projeto de transposição inicialmente com um eixo, de Cabrobó ao Ceará. O então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, demandou que o governo federal ampliasse o projeto, incluindo o que é hoje o Eixo Leste. Seriam retirados 28 metros cúbicos por segundo pelo Eixo Leste, sendo 10 metros cúbicos para a Paraíba e 18 para Pernambuco. Pelo Eixo Norte, seriam retirados 99 metros cúbicos por segundo, sendo 10 para Pernambuco, 10 para a Paraíba, 37 para o Rio Grande do Norte e 42 para o Ceará. Ou seja: um total de 127 metros cúbicos por segundo de retirada de água, que beneficiaria 188 cidades. O custo estimado era de R$ 2.689.340.791,32.
Contudo, um grupo de empresas, entre elas a Odebrecht e a OAS Engenharia, havia obtido uma outorga pela Agência Nacional de Águas para usar 300 metros cúbicos por segundo para um mega projeto de irrigação, e assim não seria possível captar mais água sem comprometer o funcionamento da Hidrelétrica de Sobradinho. A polêmica durou até o final do governo Fernando Henrique. A solução foi reduzir a vazão de água na captação do Projeto de Integração do Rio Francisco.
A vez de Lula
Luís Inácio Lula da Silva, chegando à presidência, deparou com problemas em licitações, liberações ambientais e protestos populares contra a execução da obra, como a do bispo baiano Luiz Flávio Cappio, que impetrou uma greve de fome de 10 dias em protesto apoiado por ambientalistas de todo o país. Em agosto de 2007, foram iniciadas as obras dos canais de aproximação no Reservatório de Itaparica (Eixo Leste) e em Cabrobó (Eixo Norte) – veja o mapa abaixo.
É o mesmo local de onde, um século e meio antes, o governo imperial pretendia captar água.
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Fonte: Instituto Humanitas Unisinos, A Pública
Iracema Alves/ jornalista cadeirante
Colaboração: Wiglinews
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