terça-feira, 17 de junho de 2014

A falência moral da Fifa

Por Jamil Chade *
A Copa do Mundo está em todas as partes e, pelo planeta, milhões de pessoas aguardam com ansiedade o início do torneio de hoje, dia 12/06/2014. Mas existe um lugar onde o futebol não é discutido e sequer tem credenciar para entrar: no Congresso da Fifa. Em uma mistura de caudilhismo, coronéis, feudos europeus, monarquias asiáticas e clãs africanos, o evento anual da entidade é uma organiza bilionária moralmente. 209 federações nacionais se reuniram  nos últimos dois dias no Transamérica Expo Center, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, em um encontro que explicitou a guerra pelo poder dentro da Fifa e escancarou manobras para comprar votos e ganhar aliados. Tudo graças ao sequestro da emoção de milhões de garotos e famílias pelo mundo que dão parte de seu dinheiro ao futebol. Nos dias que antecederam o Congresso, ele fez o que qualquer político faria: percorreu seus currais eleitorais, fez promessas, apertou mãos, sorriu para as câmaras e criticou a oposição. Uma aula para qualquer iniciante e mesmo para alguns dos políticos mais experimentados.
Para as organizações regionais pequenas, prometeu qua vai estudar novos lugares para as seleções na Copa do Mundo, cargos na Fifa e programa sociais, numa espécie de assistencialismo com direito à retribuição em votos. Aos cartolas africanos, prometeu atacar o racismo  e, para os asiáticos, insistiu em dar um lugar especial para a questão palestina. Mas Blatter teve uma surpresa. Ao se reunir com as federações europeias, não apenas não ganhou o apoio da Uefa (União das Federações Europeias de Futebol) como foi fortemente questionado sobre os diversos escândalos de corrupção e sobre suas intenções de se perpetuar no comando da Fifa. O último escândalo gira em torno de denúncias que dirigentes teriam recebido dinheiro para escolher o Catar como sede da Copa de 2022. "Nunca fui tão desrespeitado", declarou Blatter, pouco acostumado a ser pressionado ou ser exigido a dar explicações. Para os europeus, havia chagado a hora de dar um basta no "reinado" de Blatter e não foram poucos os que acusaram de "não ter capacidade de lidar com a corrupção". Mas o golpe dos europeus duraria apenas algumas horas. Hábil e acionando sua rede de aliados, Blatter fez questão de mostrar quem é que manda na entidade.
O primeiro passo do contra-golpe foi organizar o pagamento do que equivale uma "propina oficial". Logo no inicio do Congresso - que contou com a cicerone Fernanda Lima  apresentando o suíço como "o homem que guiou a Fifa com sucesso desde 1998" - Blatter
fez questão de anunciar que estava usando parte da receita da Copa do Mundo no Brasil,
a mais lucrativa da história, para repartir bônus a todas as federações nacionais. No total, o cartola usou U$$ 200 milhões para ganhar aliados. "Nunca estivemos tão ricos e tão fortes como agora", declarou. Cada dirigente saiu de São Paulo com U$$ 700 mil  a mais no bolso. Se o valor não seria significativo para um alemão ou inglês, o dinheiro fez delegações menores ovacionarem o "grande líder". "Vocês estão felizes?", gritava de seu púlpito o dirigente suíço. A distribuição do "presente" não era por acaso. Momentos depois, surgiria na pauta do Congresso  proposta da Europa de limitar o mandato do Presidente da Fifa. a Uefa queria estabelecer uma idade máxima de 72 anos para que um dirigente pudesse ser eleito. Os europeus anda propunham uma lei que limitava os mandatos a apenas oito anos.
Para Blatter seria desastroso se qualquer uma das propostas fosse aprovada. O dirigente de 78 anos estaria fora do "limite" e teria de deixar sua cadeira em Zurique para um sucessor. O limite no número de mandatos também não agrava. Afinal, são poucos no Comitê Executivo da Fifa que têm qualquer intensão de aceitar princípios de alternância de poder. Blatter, mais uma vez cobrou a  aliança dos pequenos países em torno de seus votos para derrubar o projeto europeu. Assim, antes da votação, uma sequência de dirigentes pedia a palavra para apoiar Blatter. Todos vindos de federações com pesos insignificantes no futebol. O primeiro foi o presidente da Federação de Futebol de Cuba, Luís Hernandes. Vindo de um país cujos lideres perpetuam no poder, o cartola pediu ao Congresso não aderissem à onda democrática. "Cuba considera o limite como discriminatório", declarou. "O que importa é a capacidade de trabalho. Sua capacidade física é importante. Mas sua liderança moral e o mais relevante", disse. "Ninguém troca um jogador por idade se ele vai bem. Ninguém troca um treinador e nem o presidente da Fifa quando ela é vencedora", afirmou.
Quem também saiu em apoio a Blatter foi a Delegação do Haiti, país que recebeu dinheiro da Fifa durante anos. " Seria uma discriminação catastrófica", declarou Yves Bart, presidente da federação Haitiana. Omari Selemani, presidente da Federação do Congo, Sei Lanka e Palestina,  também saíram em apoio ao cartola. Quando seus aliados acabaram de falar, Blatter cortou o papo e pediu que a votação fosse iniciada. No momento de apurar o resultado, nenhuma surpresa: as propostas feitas pelos europeus para reformar a Fifa e permitir uma mudança de geração no comando da entidade foram enterradas. E os dirigentes comemoram como se estivessem feito um gol. Enquanto a Fifa mostrava sua cara, as aberrações eram em parte encobertas por salas elegantes do centro de Convenções que ocupa 100 mil metros quadrados, ao redor dos quais o trânsito era desviado pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) para evitar protestos. E pelo dirigentes com seus ternos impecáveis, carros de luxo e uma proteção equivalente a de chefes de Estado. Nos corredores, eles repetiam um comportamento de um clã que deve poucas explicações ao mundo. Questionamentos são tratados como traições. Aliados ganham beijos. E a ordem de todos é a de não falar a palavra maldita: corrupção.
  
Nesta semana o presidente da Fifa ainda teve de substituir um de seus membros do Comitê Jurídico da Fifa. O motivo: o cartola havia sido preso em seu país de origem, a Nova Caledônia. Ao final do encontro, sem qualquer pudor, Blatter anunciou que ele conduziria a "nova Fifa" a uma "nova era", pediu votos para as eleições, que ocorrem em 2015. Seria o quinto mandato do suíço. Quando foi questionado por um jornalista com teria coragem de fazer tal declaração, depois de estar 19 anos na entidade; recusou-se a dar uma resposta. Hoje quando a Copa da Mundo começar, o mundo volta a fixar seus olhos no espetáculo do futebol, no campo e nos gols. Nas arquibancadas de mármore do Itaquerão, Blatter e seus aliados, mas também a oposição, voltam a se unir para mostrar a influência de um grupo que não passaria em qualquer exame de credibilidade, mas controla o esporte mas democrático do mundo. "Hoje, a maior ameaça para a Fifa são seus próprios dirigentes", disse Domenico Scala, chefe do grupo de auditoria independente da Fifa, visivelmente frustrado diante do resultado. "A Fifa age como uma família mafiosa, com uma tradição de décadas de propinas e corrupção", completou ontem, Lord Triesman, ex-presidente da Federação Inglesa de Futebol
*Publicada pelo portal do Jornal O Estado de S. Paulo e reproduzida por Agência Pública, 12/06/204 - Instituto Umanitas Unissinos - 12/06/2014
Postado por Livre para Voar.

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