segunda-feira, 3 de novembro de 2014

ESTAMOS INDO DIRETO PARA O MATADOURO, DIZ CIENTISTA.

Especialistas na redação da Amazônia com o clima, o agrônomo Antonio Donato Nobre faz conexões entre a seca no Sudoeste e o desmatamento das florestas. Assustando com os mais de duzentos artigos sobre o tema que leu em quatro meses para compilar o estudo. " O Futuro Climático da Amazônia", lançado ontem (dia 30/10/2014) em São Paulo, Nobre garante que a mudança do clima já não é mais previsão científica, mas realidade. "Estamos indo para o matadouro", diz. Nos últimos quarenta anos foram destruídas 40 bilhões de árvores na floresta." É o clima que sente cada árvore retirada da Amazônia", diz o pesquisador  Centro de Ciências do Centro do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Árvores amazônicas antigas produzem mil litros de água por dia. O ar "úmido é também exportado" para áreas como Sudoeste, com vocação para deserto.
A reportagem é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor Econômico, 31/10/2014.
Nobre, que vem de uma família  de cientistas brasileiros, fez o estudo a pedido da Articulación Amazônica (Ara), rede da sociedade civil dos nove países amazônicos. O cientista defende que o desmatamento pare já - inclusive o permitido por lei - mas diz que isso já não basta. É hora de lidar com o passivo ambiental e empreender o que ele compara a um "esforço de guerra" para replantar floretas e restaurar ecossistemas. Nobre  reforça a ideia que não há antagonismo entre agricultores e conservação. "A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade cientifica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo a proteção das florestas e plantando árvores em suas propriedade. Quanto já desmatamos da Amazônia Brasileira? Só de corte raso, nos últimos 40 anos, foram três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade dos desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se descolando a 726 km/ hora - uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal.
Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 4 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa. Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente  condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar. A mudança climática já chegou. Não há mais previsão de modelo, é observação de noticiários. os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante. fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário esta entrando em falência como previsto, só que mais rápido. A literatura é abundante, há milhares de artigos escritos, mais de duas dúzias de projetos grandes sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas. Li mais de 200 artigos em quatro meses. Nesse estudo quis esclarecer conexões, porque esta discussão e fragmentada. "Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a Floresta? Ah! floresta é assunto meu". Cada um esta envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação. 
A seca de São Paulo se relaciona com a mudança do clima? Pegue o noticiário: o que está acontecendo na Califórnia, na América Central, em partes da Colômbia? É mundial. Alguém pode dizer - é mundial, então não tem nada a ver com a Amazônia. É ai que está a incompreensão em relação à mudança climática: tem tudo a ver com o que temos feito no planeta, principalmente a destruição de florestas. A consequência não é só o que temos feito no planeta, principalmente destruição de florestas. A consequência não é só em relação ao CO2 que sai, mas a destruição de floresta  destrói o sistema de condicionamento climático local. E isso, com flutuações planetárias da mudança do clima, faz com que não tenhamos nenhuma almofada...A floresta é um seguro, um sistema de proteção, uma poupança. Se aparece coisa imprevista e você tem algum dinheiro guardado, você se vira.  É o que está acontecendo agora, não sentimos antes os efeitos da destruição de 500 anos da Mata Atlântica, porque tínhamos a "coisa quente" da Amazônia. A sombra úmida da floresta amazônica não permitia que sentíssemos os efeitos da destruição das florestas locais. 
O senhor fala em cinco segredos da Amazônia. Quais são? O primeiro é o transporte de umidade continente adentro. O oceano  é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. O segredo? Os gêiseres da floresta. É uma metáfora. Uma árvore  grande fa Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca mais de mil litros de água fora em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a Amazônia toda, que tem 5,5 milhões de km: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diária. O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas. É o que falta em São Paulo? Sim, porque aqui acabamos com a Mata Atlântica, não temos mais florestas!!! Qual o segundo segredo? Chove muito no Amazonas e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para a atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém.
E o terceiro segredo? A floresta é um ar-condicionado e produz um rio amazônico de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos.
Como tudo isso se relaciona com a seca de São Paulo? No quarto segredo estamos em um quadrilátero da sorte - numa região que vai se Cuiabá a Buenos Aires no Sul, de São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da Amarica do Sul. Se olhamos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto de Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui não, essa região era para ser um deserto. E no entanto, não é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de "rios aéreos", o vapor que é a fonte da chuva desse quadrilátero. E o quinto segredo? Onde tem floresta não tem furacão nem tornado. Ela tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É seguro. Qual o impacto do desmatamento então? O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, ai não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E, parar agora não resolve mais. Como não Resolve mais? Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem! A única reação adequada nesse momento é fazer um esforço de guerra. A evidência cientifica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. É nossa grande oportunidade! E se não fizermos isso? Veja pela janela o céu que tem São Paulo - é de deserto. A destruição da Mata Atlântica nos deu a ilusão de que estava tudo bem, e o mesmo com a destruição da Amazônia. Mas isso é até o dia em que se rompe a capacidade de compensação, e é esse nível que estamos  atingindo hoje em relação aos serviços ambientais. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro!!! E o que o senhor está dizendo? Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer "vamos reduzir a taxa de desmatamento anual". Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima... 
Tem quem diga que parte desses campos de futebol virariam campos de soja. O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas  são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre. O que significa tudo isso? Que vai chover cada vez menos? Significa que todos aqueles serviços ambientais estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu - aí não tema mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. É essa a dimensão dos serviços que estamos perdendo. Estamos perdendo um serviço que era gratuito que trazia conforto, que fornecia água doce  e estabilidade climática. Um estudo feito na Geórgia por uma associação do agronegócio com ONGs ambientalistas mediu os serviços de florestas privadas para áreas urbanas. Encontraram um valor de URS$ 37 bilhões. É disso que estamos falando, de uma usina de serviços. As pessoas de São Paulo estão preocupadas com a seca. Sim, mas quantos paulistas compraram móveis e construíram casas com madeira da Amazônia e nem perguntaram a procedência? Não estou responsabilizando os paulistas porque existe muita inconsciência sobre a questão. Mas o papel da ciência é trazer o conhecimento. Estamos chegando a um ponto crítico e temos que avisar. Esse ponto crítico é ficar sem água? Entre outras coisas. Estamos fazendo a transposição do São Francisco para resolver o problema de uma área onde não chove há três anos Há 20 anos esperamos a transposição do São Francisco (grifos meus) Mas se não tiver água em outros lugares? E se ocorrer de a gente destruir e desmatar de tal forma que a região não produz 70% do PIB  cumpra o seu destino geográfico e vire deserto?  Vamos buscar água no aquífero.  Não é uma opção? No norte de Pequim, os poços estão já a dois quilômetros de profundidade. Não tem uso indefinido de uma água fóssil, ela tem que ter algum tipo de recarga. É um estoque, como petróleo . Usa e acaba. Só tem um lugar que não acaba, o oceano, mas é salgado.  
O esforço de guerra é para acabar com o desmatamento? Tinha que ter acabado ontem, tem que acabar hoje e temos que começar a replantar florestas. esse é o esforço de guerra. Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só na Amazônia. Aqui em São Paulo, se tivesse floresta, o que eu chamo de paquiderme atmosférico. Como é? É a massa de ar quente que "somos" no Sudoeste e não deixa entrar nem a frente fria pelo Sul nem os rios voadores da Amazônia. O que o governo do Estado deveria Fazer? Programas massivos de replanto de florestas. Já! São Paulo tem erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Segunda coisa: ter um esforça de guerra no replantio de florestas. Não é replantar eucalipto . Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação ciclo hidrológico, tem que replantar floresta e acabar com o fogo. Poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas para não competir com a agricultura. Onde? nos morros pelados onde tem capim, nos vales em áreas íngremes Em vales onde só tem capim , tem que plantar árvores da Mata Atlântica. O esforço de guerra para replantar tem que juntar toda a sociedade. Precisamos reconstruir as florestas, da melhor e mais rápida forma possível. E o desmatamento legal? nem pode entrar em cogitação. Uma lei que não levou em consideração a ciência e prejudica a sociedade, que tira água das torneiras, precisa de ser multada. 
O que achou de Dilma não ter assinado o compromisso de desmatamento zero em 2030, na reunião da ONU - Organização das Nações Unidas - em Nova York? Um absurdo sem paralelo. A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos.
Quem é o responsável por isso? Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. Espero que não chegue a essa situação. Mas a realidade é que a torneira de sua casa esta secando. Quanto a floresta consegue suportar? Temos uma floresta de mais de 50 milhões de anos. Nesse período é impossível eu não tenham acontecido cataclismos,, glaciação e aquecimento, e no entanto, a Amazônia e a Mata Atlântica ficaram aí. Quando a floresta estiver intacta, tem capacidade de suportar. É a mesma capacidade do fígado do alcoólatra que mesmo tomando vários porres, não acontece nada se está intacto. Mas o desmatamento faz com que a capacidade de resistência de resiliência que tínhamos, com a floresta, fique perdida. O Esforço terá resultado? Isso não é garantido, porque existem as mudanças climáticas globais, mas reconstruir ecossistemas é a melhor opção que temos. Quem sabe a gente desenvolva outra agricultura, mais harmônica, de serviços agro ecossistêmicos. Não tem nenhuma razão para o antagonismo entre agricultura e conservação ambiental. Ao contrário. A agricultura consciente, que soubesse o que a comunidade cientifica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas. E, por iniciativa própria, replantaria a floresta nas suas propriedades.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - nossos agradecimentos


Antonio Donato Nobre é um dos melhores cientistas brasileiros, pertence ao grupo do IPCC que mede o aquecimento da Terra e é um especialista em questões amazônicas. É mundialmente conhecido como pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Excerto do evento de lançamento do relatório "O Futuro Climático da Amazônia" em 30/10/2014. - 

No seguinte artigo António Nobre deu uma excelente entrevista ao Jornal Valor onde diz "estamos indo direto para o matadouro":


Digitado por Iracema Alves - jornalista cadeirante - Estarei ausente dez 10 dias por motivo de saúde
Diagramação: WNews 
  
   

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