quarta-feira, 7 de maio de 2014

Pensando nos que são diferentes por dentro e por fora

Texto de Artur da Távola – 03/01/1936 – 09/05/2008.

Vi outro dia o programa “Os Trapalhões” oferecerem grande ajuda às pessoas com deficiência. Vi um basquete de paraplégicos, notável como demonstração de amor à luta. Diariamente, a televisão apresenta pequenos spots com mães e pais e suas crianças excepcionais ou com depoimentos de pessoas com outros tipos de deficiência. Prefiro chamá-los diferentes. Mas fico pensando em nós poetas, artistas, nós multidões de pessoas diferentes. Diferentes por dentro.

Ou deficientes, porque não nos conseguimos ajustar às regras que regem o mundo, que ditam as leis e fazem das pessoas ajustados e tristes carneirinhos. Penso na legião de diferentes que somos todos, que procuramos ver o mundo, o amor, a vida pela ótica, da própria sensibilidade. A todos os diferentes por dentro e por fora, dedico esta crônica. Diferente não é o quem o pretende ser. Este é um imitador, nunca será um diferente. 


Diferente é quem for dotado de alguns mais e de alguns menos em hora, momento e  lugar errados. Para os outros. Quem riem de inveja de não serem assim. É medo de aprender não aguentar, caso um dia venham a ser.

O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição. O diferente nunca é um chato. Mas é sempre confundido com ele por pessoas menos sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados, vitórias são adiadas: esperanças são mortas. Um diferente medroso, este sim, acaba se transformando num chato.Chato é um diferente que não vingou. Os diferentes muito inteligentes entendem por os outros não entendem. Os diferentes raivosos acabam tendo razão sozinhos contra  o mundo inteiro. Diferente que se preza entende o por que de quem o agride. O diferente  paga sempre o preço de estar – mesmo sem quiser – alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros, e pastores.

O diferente aguenta no lombo a ira do irremediavelmente igual: a inveja do comum; o ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas sabe sempre estar com ela. O diferente começa a sofrer cedo, desde o primário, onde todos de mãos dadas e até mesmo alguns professores, por omissão, (principalmente os mais grossos), se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial em aleijão e caricatura. O que é percepção aguçada em “puxa, fulano, como você é complicado”. O que é um embrião de estilo próprio em “você não está vendo como é que tudo mundo faz?” O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações nos quais acabam se transformando.  Só os diferentes mais fortes do que o  mundo se transformaram (e se transformam) nos seus grandes modificadores. Diferente é o que vê mais longe do que o consenso. O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber.

Diferente é o que se emociona e enquanto todos em torno agridem e gargalham. Diferente é o que chora onde outros xingam; estudam onde outros berram. Onde outros cansam. Espera de onde já não vem. Sonha entre realistas. Concretiza entre sonhadores. Fala de leite em reunião de bêbados. Cria onde o hábito rotinizara. Sofre onde outros ganham. Diferente é o que: fica doente onde a alegria impera. Aceita empregos que ninguém supunha. Perde horas em coisas em que só ele sabe importantes.Diz sempre na hora de calar. Cala sempre nas horas erradas. Não desiste de lutar pela harmonia  (grifos meus). Fala de amor no meio da guerra. Deixa o adversário fazer o gol porque gosta mais de jogar do que ganhar.Diferente é o que aprendeu a superar o riso, o deboche, o escárnio e a consciência dolorosa, do que a média é má porque é igual.

Os diferentes aí estão enfermos, paralíticos, machucados, gordos e magros demais, homossexuais bonitos, barrigudos, joelhos enormes, pé grande e feios, cheios de  espinhas.Os diferentes estão doentes, muito doentes mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais. A alma dos diferentes é feita de uma luz além. A estrela dos diferentes têm moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos que forem capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão os maiores tesouros de ternura humana. De que só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um deficiente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois.

*Breve relato: Nome: Artur da Távola - Paulo Alberto Morezsonh Monteiro de Barros. Foi advogado, jornalista, radialista, escritor, professor, deputado federal de 1987  1995, senador da República de 1995 a 2003

* Em 1987 o Professor Artur Távola deu um simpósio sobre análise política e participei recebendo ótima pontuação – modéstia à parte.

Iracema Alves - jornalista cadeirante autônoma
Diagramação: WNews

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