Texto de Artur da Távola – 03/01/1936 – 09/05/2008.
Vi outro dia o
programa “Os Trapalhões” oferecerem grande ajuda às pessoas com deficiência. Vi
um basquete de paraplégicos, notável como demonstração de amor à luta.
Diariamente, a televisão apresenta pequenos spots com mães e pais e suas
crianças excepcionais ou com depoimentos de pessoas com outros tipos de
deficiência. Prefiro chamá-los diferentes. Mas fico pensando em nós
poetas, artistas, nós multidões de pessoas diferentes. Diferentes por dentro.
Ou deficientes, porque
não nos conseguimos ajustar às regras que regem o mundo, que ditam as leis e
fazem das pessoas ajustados e tristes carneirinhos. Penso na legião de
diferentes que somos todos, que procuramos ver o mundo, o amor, a vida pela
ótica, da própria sensibilidade. A todos os diferentes por dentro e por fora,
dedico esta crônica. Diferente não é o quem o pretende ser. Este é um
imitador, nunca será um diferente.
Diferente é quem for dotado de alguns
mais e de alguns menos em hora, momento e lugar errados. Para os outros. Quem
riem de inveja de não serem assim. É medo de aprender não aguentar, caso um dia
venham a ser.
O diferente é um ser
sempre mais próximo da perfeição. O diferente nunca é um chato. Mas é sempre
confundido com ele por pessoas menos sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um
chato onde está um diferente, talentos são rechaçados, vitórias são adiadas:
esperanças são mortas. Um diferente medroso, este sim, acaba se transformando
num chato.Chato é um diferente que não vingou. Os diferentes muito inteligentes
entendem por os outros não entendem. Os diferentes raivosos acabam tendo razão
sozinhos contra o mundo inteiro. Diferente que se preza entende o por que de
quem o agride. O diferente paga sempre o preço de estar – mesmo sem quiser –
alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros, e
pastores.
O diferente aguenta no
lombo a ira do irremediavelmente igual: a inveja do comum; o
ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas sabe
sempre estar com ela. O diferente começa a sofrer cedo, desde o primário, onde
todos de mãos dadas e até mesmo alguns professores, por omissão, (principalmente
os mais grossos), se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial em
aleijão e caricatura. O que é percepção aguçada em “puxa, fulano, como você é
complicado”. O que é um embrião de estilo próprio em “você não está vendo como é
que tudo mundo faz?” O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações nos
quais acabam se transformando. Só os diferentes mais fortes do que o mundo se
transformaram (e se transformam) nos seus grandes modificadores. Diferente é o
que vê mais longe do que o consenso. O que sente antes mesmo dos demais
começarem a perceber.
Diferente é o que se
emociona e enquanto todos em torno agridem e gargalham. Diferente é o que chora
onde outros xingam; estudam onde outros berram. Onde outros cansam. Espera de
onde já não vem. Sonha entre realistas. Concretiza entre sonhadores. Fala de
leite em reunião de bêbados. Cria onde o hábito rotinizara. Sofre onde outros
ganham. Diferente é o que: fica doente onde a alegria impera. Aceita empregos
que ninguém supunha. Perde horas em coisas em que só ele sabe importantes.Diz
sempre na hora de calar. Cala sempre nas horas erradas. Não desiste de lutar
pela harmonia (grifos meus). Fala
de amor no meio da guerra. Deixa o adversário fazer o gol porque gosta mais de
jogar do que ganhar.Diferente é o que aprendeu a superar o riso, o deboche, o
escárnio e a consciência dolorosa, do que a média é má porque é
igual.
Os diferentes aí estão
enfermos, paralíticos, machucados, gordos e magros demais, homossexuais bonitos,
barrigudos, joelhos enormes, pé grande e feios, cheios de espinhas.Os
diferentes estão doentes, muito doentes mas procurando ser, conseguindo ser,
sendo muito mais. A alma dos diferentes é feita de uma luz além. A estrela dos
diferentes têm moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos que forem
capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão os maiores tesouros de
ternura humana. De que só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um deficiente. A menos que você
seja suficientemente forte para suportá-lo
depois.
*Breve relato: Nome:
Artur da Távola - Paulo Alberto Morezsonh Monteiro de Barros. Foi advogado,
jornalista, radialista, escritor, professor, deputado federal de 1987 1995,
senador da República de 1995
a 2003
* Em 1987 o Professor
Artur Távola deu um simpósio sobre análise política e participei recebendo ótima
pontuação – modéstia à parte.
Iracema Alves - jornalista cadeirante autônoma
Diagramação: WNews
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