De volta do noticiário por conta da crise da Petrobrás e de protestos de trabalhadores, as obras dos complexo petroquímico Comperj, que chegaram a empregar 35 mil pessoas e prometiam mais de 200 mil postos de trabalho quando finalizadas, têm deixado uma herança amarga para a pequena cidade de Itaboraí, leste do Estado do Rio de Janeiro. Além das perdas causadas pelo atraso e desinvestimentos da petroleira brasileira, milhares estão desempregados, com alguns vivendo de favores alheios ou até mesmo passando fome. Jefferson Puff - Da BBC Brasil do Rio de Janeiro, vista como novo eldorado do petróleo há sete anos, Itaboraí atraiu investimentos e viveu um boom imobiliário.
Pacata, com muitos sítios, fazendas e uma economia tímida baseada na indústria da cerâmica e no cultivo de laranja, a cidade teve aumento de 21,5% da população entre 2000 e 2013, passando de 185 mil para 225 mil habitantes, segundo o IBGE. Mas conforme a petroleira afundava na atual crise, todos os pagamentos de aditivos e de renovações de contratos com as empresas citadas na operação Lava Jato eram interrompidos, o que resultou numa aceleração do ritmo de demissões no Comperj. O escopo do projeto também foi reduzido. Segundo o Sintramon (Sindicato que representa os trabalhadores em Itaboraí),até junho de 2014 eram 18 mil operários na obra. Agora restariam apenas 6 mil, de acordo com a entidade, e 11.400, segundo a Petrobrás.
Várias das empresas que atuaram no projeto enfrentam uma série de dificuldades. Uma delas, a Alusa, alega ter uma dívida de R$12 bilhões em aditivos não pagos pela Petrobrás, além de ter tido o contrato rompido unilateralmente pela petroleira - o que teria forçado a companhia a entrar com pedido de recuperação judicial. Consultada pela BBC Brasil, a Petrobrás negou responsabilidade. Entre as empresas que permanecem no projeto, 15 integram a lista das 23 investigadas de corrupção e muitas também enfrentam dificuldades, em parte por causa da suspensão de pagamentos de aditivos e de renovações de contratos.
Como consequência do impasse, o grupo Alusa, que alterou o nome da empresa que atuava no Comprej para Alumini, teve o contrato rompido pela Petrobrás e demitiu 469 trabalhadores ainda em dezembro, sem que houvesse pagamento das verbas rescisórias. Outros 2.500 também estão sem trabalhar, mas suas carteiras de trabalho ainda estão retidas e eles não têm plano de saúde, vale-alimentação, estão sem salário desde dezembro e sem poder dar entrada nos pedidos de seguro-desemprego ou sagar o FGTS. José Roberto da Silva dos Santos, de 28 anos, é natural de Itaboraí. Casado e com duas filhas de 3 e 5 anos, ele não recebe desde dezembro.
Há três meses sem pagar o aluguel, recebeu ordem de despejo e agora tem 30 dias para deixar o imóvel . "A empresa simplesmente desligou os telefones. A gente não consegue contato com eles, só por meio do sindicato e ação judicial. Estou dependendo só da ajuda da família e da cesta básica que às vezes conseguimos aqui no sindicato. É uma bola de neve. As contas, o banco, o aluguel, é uma humilhação", diz. José relembra que tem a família por perto para ajudar, mas que há colegas em situação ainda pior, que vieram de outros Estados e estão sem dinheiro algum, sem passagem para voltar e que às vezes chegaram a passar fome. É o caso de Marco Aurélio dos Santos Souza. Sua família está em Salvador e faz dois meses que ele não envia nada para a mulher e os filhos.
"Ela está me ajudando com as contas lá da Bahia, mas ganha muito pouco. As coisas estão atrasando", diz. Ele lembra que tinha muitas expectativas quando começou a trabalhar no Comperj, e que atua no setor petroleiro há sete anos. " Foi tudo uma ilusão. devido a todos esses escândalos e problemas, foi tudo por água abaixo. Nos largaram aqui abandonados. temos que ir para a rua protestar, foi o que sobrou". Hermes Leal Barreto, que também integra o grupo de 2.500 funcionários desligados sem rescisão, diz que só não virou morador de rua porque o dono do alojamento permitiu que ele e outros colegas continuassem vivendo no local de graça. "Não tenho para onde ir. A gente está sem saber o que pode acontecer. Ninguém nos dá resposta, estamos à deriva".
Quanto à alimentação, Hermes diz que tem almoçado num restaurante popular, por R$ 1 real, ou dividido um quilo de feijão com colegas. "Para a noite eu guardo um pão", conta apontando para um pedaço de pão seco sobre a cômoda do quarto. Para moradores de Itaboraí, há prejuízos e frustações com a bonança que nunca chegou. Marcos Paulo Pires da Silva, dono da Pousada do Trabalhador, que servia como um dos alojamentos para operários da Alumini e agora abriga cerca de 40 operários de graça, tem quase R$ 500 mil para receber da empresa. "Eu tinha três posadas como essa. Duas foram desativadas, e estou vendendo tudo. Moveis, televisões, aparelhos de ar-condicionado. Essa mantive, mas está com menos de 10% das 264 vagas ocupadas. Também demiti metade dos meus funcionários".
"Está difícil para qualquer negócio sobreviver aqui. Antigamente você tinha dificuldade para atravessar a Avenida principal da cidade, de tanto movimento. Agora, pode ir de olhos fechados. A cidade está às moscas." Segundo o Secretário de Desenvolvimento Econômico de Itaboraí, Luiz Fernando Guimarães, o município sofreu muito com os revezes em torno do Comperj. Ele diz que há no mínimo 4 mil salas comerciais vazias na cidade. "Foi injetada no cidadão daqui uma expectativa sem fim. Fora a sobrecarga em escolas, postos de saúde, hospitais, aumento da criminalidade. Há muita dificuldade para gerenciar esse alvoroço todo, que não cabe no nosso orçamento. A arrecadação também foi reduzida e o diálogo com a Petrobrás não é bom".
Impasse Judicial: Consultadas pela BBC Brasil, tanto a Alumini quanto a Petrobrás mantiveram as posições que vêm apresentando à Justiça do Trabalho. Diante da condenação de pagar R$ 14 milhões aos trabalhadores, a Alumini diz que não tem como pagar, pois está em recuperação judicial e teve suas contas bloqueadas. A razão, segundo a empresa, seria a recusa da Petrobrás em pagar R$ 1,2 bilhões em aditivos relativos a serviços já executados na Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, o que levou a companhia pedir recuperação judicial. Posteriormente, o contrato foi rescindido, de forma unilateral, pela petroleira. Já a Petrobrás, em nota enviada à BBC, diz que "está em dia com suas obrigações contratuais e que os pagamentos de seus compromissos reconhecidos com as empresas contratadas foram realizadas de acordo com a legislação vigente"
Sobre a responsabilidade em honrar as dívidas das empresas contratadas, a Petrobrás "esclarece que não é parte nas relações trabalhistas entre as empresas contratadas e seus funcionários, mas acompanha as negociações entre os trabalhadores e as empresas e, espera, um desfecho adequado para ambas as partes". Para o procurador do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro e autor da ação contra a Alumini e a Petrobrás, Mauricio Guimarães de Carvalho, a petroleira tem responsabilidade no caso.
"A Petrobrás é a dona do complexo e quando estabelece uma relação contratual com as empresas, por ser a gestora desse contrato, ela tem que responder, sim como a beneficiária final daquela atividade". A Petrobrás tem reponsabilidade e sabe disso, mas está evitando o diálogo. Não apresenta contrapostas e não se senta à mesa de discussões, optando por recorrer às decisões judiciais. "Para Carvalho, a ausência de diálogo tem intensificado a revolta dos trabalhadores, que na semana passada fecharam a Ponte Rio-Niterói e que prometem intensificar os protestos no Rio até que uma decisão seja tomada. Na quinta-feira, no entanto, houve uma reunião entre a Petrobrás e representantes dos trabalhadores. Segundo as lideranças do grupo, a petroleira reiterou que seguirá entrando com recursos até a última instância e que não reconhece a dívida como sua".
Fonte: Jefferson Puff - da BBC BRASIL - Rio de Janeiro.
Postada por Iracema Alves - jornalista cadeirante em 25/04/2015 às 22:55 h.