sábado, 27 de junho de 2015

A VOCAÇÃO LITERÁRIA DE FREI BETTO

A petralhada está muito PT da vida com Frei Betto - aquele que sempre foi considerado um "grande amigo de Lula". A entrevista "A vocação literária de Frei Betto", feita por Manoel da Costa Pinto para a revista Cult (edição 201), e uma pedrada na alma do PT e nas incoerências da esquerda no Brasil. O ideólogo mais barulhento da Teologia da Libertação. que deixa sempre o Vaticano de orelha em pé, faz uma advertência muito pertinente sobre a perigosa despolitização da juventude brasileira. Na crítica que faz da esquerda, o frei dominicano e o escritor Carlos Alberto Libâno Christo pega pesado com o PT: "Não é fácil ser da esquerda em um mundo tão sedutor quanto o capitalismo neoliberal. Daí o problema do PT, que foi perdendo o horizonte histórico de um projeto de poder."
Frei Betto resume qual foi o erro maior de Lula-Dilma: "É um governo que fez a inclusão econômica na base do consumismo e não fez a inclusão política. As pessoas estavam consumindo, o dinheiro rolando e a inflação sob controle, mas não se criou sustentabilidade para isso. "Agora a farra acabou, está na hora de pagar a conta e chama-se Joaquim Levy (ministro da Fazenda). Frei Betto aponta a ferida:" O erro do Lula foi ter facilitado o acesso do povo a bens pessoais, e não a bens sociais - o contrário do que fez a Europa no começo do século XX,  que primeiro deu acesso a educação, moradia, transporte e saúde, para então as pessoas chegarem aos bens pessoais.
Aqui, não. Você vai a uma favela e as pessoas têm TV a cores, fogão, geladeira, micro-ondas (graças a desoneração da linha branca), celular, computador e até um carrinho no pé do morro, mas estão morando na favela, não têm saneamento, educação de qualidade. Frei Betto identifica quando o PT abandonou seu projeto inicial: "Isso desaparece na campanha de 2002, quando o PT faz a opção de assegurar  a governabilidade pelo mercado e pelo Congresso - daí as alianças e a Carta aos Brasileiros, que na verdade é a carta aos banqueiros. Ali o PT abandona a matéria-prima, que são os movimentos sociais pelos quais deveria ter assegurado a governabilidade, como fez Evo Morales na Bolívia (...)
O Pt optou pelo mercado e pelo Congresso. Agora, está refém dos dois e pagando um preço muito alto. Tanto que chamou um homem do mercado para ver se melhora a economia e entregou a parte política para o PMDB.  Frei Betto relata sua decepção: "Achei que a Carta aos Brasileiros fosse uma coisa tática, que, uma vez eleito, o PT faria reformas estruturais, tributárias, agrárias, algum tipo de reforma. Estava altamente entusiasmado. Sempre fui convidado para trabalhar em administração, mas nunca quis trabalhar nem para iniciativa privada nem para governos. Gosto desta vida  de cigana, solta". 
Quando Lula foi eleito e me convidou para o Fome Zero, achei que trabalhar com os mais pobres entre os pobres - os famintos se enquadrava em minha perspectiva pastoral e tive todo apoio de meus superiores dominicanos e até de Roma. Frei Betto prossegue: "Fiquei dois anos e, de repente, o governo matou o Fome Zero para substituí-lo pelo Bolsa Família". Tive então esta certeza de que essa opção contrariava a tudo aquilo que o PT vinha pregando desde a fundação.  O Fome Zero era uma programa emancipador, o Bolsa Família é compensatório. O Fome Zero ia mexer na estrutura do país e por isso foi boicotado pelos prefeitos. Era condenado pelos Comitês gestores municipais, não passava pelos prefeitos, não havia como usar os recursos para fazer o jogo eleitoreiro, então os prefeitos se rebelaram, pressionaram a Casa Civil, que pressionou Lula. "No fim, Lula cedeu e eu caí fora"

Na entrevista Frei Betto também não vê clima para uma intervenção militar no Brasil. "Não me preocupam ameaças de impeachment ou golpe. Não há caldo de cultura. Os militares nem saem de farda na rua. Militar no Brasil, antes andava orgulhosamente de farda, até para arrumar namorada. O que me preocupa é despolitização da juventude brasileira. Os segmentos de esquerda deveriam estar preocupados com a politização, como houve imensamente nos anos 70 e 80. Não mais formação crítica - e aí o pessoal vai no emocional, no oba-oba da volta dos militares, sem ter ideia do que foi a ditadura, que pode parecer que foi tranquila, mas é porque não havia censura brutal.

Estamos voltando a esse nível de desinformação, a esse horror à política. Frei Betto identifica o problema em sua visão ideológica: "O principal problema filosófico hoje é a disistoricização do tempo, isso se refere  na esquerda mundial, não tem projeto  nem no plano pessoal". Nesse plano a dificuldade de se ter projeto pessoal na vida profissional, artística, afetiva (todos ficam vulneráveis a qualquer dificuldade na relação conjugal).
"Isto está nos levando à falta de esperança e faz com que a discussão política desça do racional ao emocional. Sempre participei de discussões políticas e nunca vi nível de animosidade tão forte como agora, porque se apagou o horizonte histórico".

A reportagem completa com Frei Betto pode ser lida na revista CULT:

http://revistacult.uol.com.br/home/2015/05/a/vocacao-literaria-de-frei-betto/   

Copidesque, postagem e atualizada em 27/06/2015 às 12:13 hs

Iracema Alves
Jornalista cadeirante

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