segunda-feira, 28 de setembro de 2015

DESECANTO GENERALIZADO

  1. Cerca de 70% dos latino-americanos dizem não se sentir representados no Congresso de seus países. O dado esta na mais recente pesquisa do latino barômetro, que há 20 anos mede os humores da população de 18 países da América Latina em relação ao regime democrático; às instituições políticas, a economia e aos governos da região. A pesquisa  expõe  uma profunda crise de representatividade, que no Brasil parece ser ainda mais  acentuada. Dos entrevistados, apenas 13% responderam que sentem-se representados pelos parlamentares, um dos porcentuais mais baixos do continente. Enquanto isso um em cada três latino-americanos acredita que as redes sociais conferem a oportunidade de participação política genuína.
  2. Do mesmo modo, é significativo o número de pessoas que se disseram dispostas a ir às ruas para protestar. Mais de 50% responderam  que poderiam engrossar as manifestações por saúde, educação, salários empregos e outros temas relevantes. Esse ativismo potencial - seja nas ruas, seja na internet é desligado do sistema político tradicional, que não consegue ser o ambiente do debate nacional, levando ao recrutamento de extremismo. 
  3. O percentual dos que dizem "centro", em vez de "direita" ou "esquerda" caiu 42% em 2008 para 33% agora. Ou seja, a América Latina não padece de apatia política, mas desencanto com o sistema de representação partidária e, no limite, com a própria noção de democracia com sistema político. 
  4. Hoje, 54% dos latino-americano dizem que não votam em nenhum partido, uma alta de oito pontos porcentuais em relação à pesquisa anterior, de 2013. No Brasil, o porcentual dos que se identificam com algum partido é apenas 23%; o mais baixo índice da região, até 72% no Uruguai,  é  mais  alto.
  5. Esse afastamento da politica tradicional resulta do fato de que 60%  dos latino-americano dizem não ter acesso à parte que lhes caberia no "bolo" da sociedade.
  6. E o retrato da  ação bastante disseminada no continente, de que o Estado deve ser provedor da "igualdade" almejada pela população que se sente alijada. Nada menos que 68% dos latino-americanos acreditam que os governos trabalham para apenas alguns grupos. No Brasil, somente 14% consideram que o governo trabalha para todos. O índice mais baixo da pesquisa.
 Por essa razão, a demanda dos direitos sociais cresce de tal maneira que toma o lugar da participação política e mesmo do exercício da cidadania. A percepção de que o Estado foi tomado por grupos poderosos aumenta a certeza de corrupção seja generalizada e que não se chega ao sucesso por meio de méritos pessoais, mas somente graças a conexões privilegiadas. O indicador do latinobarômetro a esse respeito mostra que a desconfiança sobre os agentes públicos se manteve acima de 20% no continente, em retrocesso em relação ao verificado entre 2001 e 2011 quando a população que dizia ter conhecimento de algum ato de corrupção, caiu de 27% para 11%.
O caso brasileiro é particularmente grave nesse quesito -  chegando a 70% os que se dizem informados sobre casos de corrupção nos últimos 12 meses, muito à frente do Paraguai, segundo colocado, que aparece com 73%. Para apenas 19% dos brasileiros houve progresso no combate à corrupção, porcentual que traduz o ceticismo a respeito  da eficácia da luta p/ coibir a roubalheira, especialmente da parte de um governo formado por partidos que estão no centro dos piores escândalos. A pesquisa constata que essa descrença mina a capacidade dos latino-americanos em geral aceitarem pactos para o bem geral. Segundo o latino barômetro, apenas 16% dos entrevistados dizem ser possível  confiar na maioria das pessoas. Tal nível de desconfiança só  faz ampliar as reivindicações desses grupos para igualdade de tratamento, independentemente dos méritos dos indivíduos, em vez de igualdade perante a Lei e acesso às oportunidades - que é, este sim, o cerne da democracia.
Fonte: Opinião - Jornal o Estado de São Paulo/28/09/2015
            
           Postado por
           Iracema Alves
           Jornalista cadeirante

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