Por Modesto Carvalhosa
O Jornal Estado de São Paulo
As medidas de combate à corrupção anunciadas pela presidente da República dia 18 de março de 2015 aprofunda ainda mais a falta de credibilidade do governo, tanto no plano nacional tanto no exterior. Em decorrência da devastadora corrupção que se alastrou no governo federal, o Brasil, outrora país emergente, hoje sofre o desprestigio no mundo parecido com os tempos da inflação galopante e dos calotes internacionais dos anos 1980.O pacote anticorrupção, solenemente anunciado pela presidente, insere-se nesse quadro melancólico, pois não é crível que um governo marcado e devastado pela prática generalizada de apropriação de recursos públicos em beneficio dos partidos no poder venha, agora, colocar-se na posição de combatente do mal que ele mesmo diariamente pratica.
Nesse quadro patético, as propostas legislativas são mais do mesmo, pois o crime do caixa 2 está previsto no vigente Código Eleitoral, de 1965, no artigo 350.Quanto ao dramático confisco de bens dos corruptos, a matéria está plenamente contemplada na lei vigente de Improbidade Administrativa, de 1992, artigos 9º., 12 e 16. As demais "providências" legislativas da presidente são objeto de projetos de lei em curso no Congresso, razão pela qual nada de novo foi traduzido pelo alardeado pacote.
Quanto ao decreto que "regulamenta" a Lei Anticorrupção, ressalta desde logo tratar-se de um monstrengo que visa, sob todas as formas possíveis, a promover a anistia ampla, geral e irrestrita das empreiteiras e fornecedoras envolvidas na Operação Lava Jato, procurando mesmo imunizá-las a qualquer outra conduta corruptiva que tenham praticado fora do âmbito da Petrobrás e ainda não reveladas. Assim, o atual governo, na esteira dos três últimos que o precederam, demonstra que no Brasil ainda impera a república das empreiteiras, embora estas já estejam muito combalidas, em decorrência da firme atuação da Polícia Federal, do Ministério Público, da Justiça Federal, do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal). O referido "decreto regulamentador" da Presidência demonstra, às escancaras, a firme determinação do governo de proteger as empresas que com ele contratam, mantendo os mesmos termos viciados no futuro. Ao invés de concentrar a competência de processar as referidas empresas corruptas da Controladoria-Geral da União, o decreto outorga esse poder aos ministros dos Estado (pasmem!), que são, desde 2003, os principais atores da prática de corrupção no Brasil. Só do último governo três deles estão sob investigação no STF e dez outros já haviam sido flagrados em atos de corrupção, só no ano de 2011.
São essas "autoridades" que vão processar as empreiteiras. Pode-se imaginar o nível de corrupção que vai surgir dessa "competência ministerial". Será um novo núcleo de propinas, de tráfico de influência, de advocacia administrativa e de prevaricação. Surge um novo negócio de corrupção jamais imaginado, para grande proveito dos titulares de 39 pastas e dos partidos que os indicaram.
Não bastasse, a eventual condenação das empreiteiras pelo "ministro competente" pode ser objeto de "reconsideração" com efeito suspensivo, o que encarece ainda mais o comércio de favores ilícitos que será gerado por essa estância administrativa. A Lei Anticorrupção não fala da instância de reconsideração. Também o decreto presidencial de 18/03/2015 cria a figura da "investigação preliminar sigilosa", anterior à instalação do chamado Processo Administrativo de Responsabilização. Eis aí outro foco de corrupção, pois de suas conclusões secretas pode decorrer o arquivamento do pedido de instalação de processo. Esse novo produto de corrupção obviamente não está previsto na Lei Anticorrupção de 2003 que a presidente resolveu agora "regulamentar". Essa Lei, aliás, não comporta nenhuma regulamentação, na medida em que é autoaplicável a partir de 29/01/2014, abrangendo todos os crimes continuados de corrupção, caso dos listados na Lava Jato.
Mas não para aí o "regulamento presidencial". Em cinco artigos propositadamente confusos, o diploma de Executivo limita a multa de 5% sobre o faturamento do último exercício das empresas corruptas. A Lei Anticorrupção, todavia, fala em até 20%. Derroga portanto, o "ato presidencial" a Lei Anticorrupção também nesse aspecto. Ademais os cálculos de aplicação dessas multas com teto quatro vezes reduzido são propositadamente de alta complexidade para permitir que as empreiteiras consigam suspender e, em seguida, anular no Judiciário as decisões condenatórias que muito raramente os ilibados ministros de Estado lhes aplicarão. Outro aspecto do "regulamento presidencial" é a tentativa de alijamento do Ministério Público das iniciativas de responsabilidade de ação civil pública de reparação de danos e órgãos jurídicos da própria administração federal. Essa tentativa é risível. Inúmeras outras manobras de absolvição plena das empreiteiras estão espalhadas ao longo texto do decreto de 19 e março de 2015. Por outro lado, o próprio decreto reproduz a impossibilidade de firmar acordos de leniência a não ser com a primeira empreiteira componente do cartel que opera na Petrobrás. Diante desse impasse, socorre-se o decreto do regime de conformidade (compliance), que é um dos fatores que passam a propiciar a anistia das empreiteiras. se elas instituírem o regime de conformidade poderão, inclusive, ser absolvidas sem o pagamento de nenhuma multa, o que é absolutamente contrário ao texto de ser condenado a 30 anos de prisão só porque fez profissão de fé numa igreja pentecostal prometendo seguir, a partir de agora, os ensinamentos da Bíblia Sagrada.
"Por todo esse absurdo, a cidadania pede socorro ao Ministério Público para que requeira imediatamente ao Judiciário a anulação desse regulamento espúrio que procura derrogar, revogar, neutralizar e tornar morta a Lei Anticorrupção"
Postado por Iracema Alves - jornalista cadeirante, em 25/03/2015
às 00:05 horas