Embora não se possa provar que a seca na região Sudeste do país já
seja uma consequência das mudanças climáticas causadas pelo desmatamento
na Amazônia, sabemos que ele afeta o fornecimento de vapor para a
atmosfera e prejudica o transporte deste para regiões a jusante dos rios
aéreos. E sabemos que o Sudeste é receptor e dependente da umidade
exportada como serviço ambiental pela floresta amazônica.
A afirmação é do pesquisador Antonio Donato Nobre,
cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, lançado no final do ano passado. Segundo Nobre,
é certo que o desmatamento da Amazônia levará a um clima inóspito
naquela região e que deverá afetar outras. O estudo, realizado a pedido
da organização Articulación Regional Amazónica (ARA),
mostrou como o efeito de bombeamento atmosférico realizado pela floresta
propele rios aéreos de umidade que transportam água, alimentando chuvas
em regiões distantes do oceano. “A procrastinação para acabar com o
desmatamento é injustificável”, alerta.
A entrevista é de Maura Campanili, publicada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM, 27-02-2015.
Eis a entrevista.
Em seu relatório, o senhor alerta que o desmatamento da Amazônia já está influenciando o clima. Onde o clima já mudou?
Segundo observações publicadas, amplas regiões na porção oriental da
Amazônia, justamente a região mais afetada por desmatamento e degradação
florestal, já sofrem com a expansão na duração do período seco, redução
das chuvas totais no ano e mesmo extinção de chuvas no período seco, o
que torna áreas ainda preservadas de floresta suscetíveis à degradação
pela invasão de fogo a partir de áreas ocupadas. A extensão na duração e
intensidade da estação seca tem consequências diretas sobre a
agricultura, já que diminui a água disponível no solo, prejudicando a
produção. O pior é que essa parece ser uma tendência de progressão do
clima, um cenário com potencial de danificar até a safra principal em
regiões produtoras de grãos como no norte do Mato Grosso.
Como a floresta influencia o clima?
As florestas nativas influenciam o clima de diversas e poderosas formas. Descrevo detalhadamente no relatório O Futuro Climático da Amazônia
cinco efeitos conhecidos, a saber: a intensa transpiração das árvores
condiciona e mantém a alta umidade atmosférica; os compostos orgânicos
voláteis emitidos pelas folhas - os cheiros da floresta -, participam de
forma determinante como sementes no processo de nucleação das nuvens e
geração de chuvas abundantes; a condensação atmosférica do vapor
transpirado pelas plantas rebaixa a pressão sobre a floresta, que, menor
que aquela sobre o oceano, succiona o ar úmido para dentro do
continente; o efeito de bombeamento atmosférico realizado pela floresta
propele rios aéreos de umidade que transportam água, alimentando chuvas
em regiões distantes do oceano; e o dossel rugoso da floresta freia a
energia dos ventos, atenuando a violência de eventos atmosféricos.
A seca no Sudeste já é uma consequência dessa mudança climática? O que podemos esperar para os próximos anos?
A seca no Sudeste já é uma consequência dessa mudança climática? O que podemos esperar para os próximos anos?
Existem nas observações do clima registros de secas fortes para o
Sudeste. O que surpreendeu e assustou em 2014, além da intensidade e
duração sem precedentes, foi o virtual desaparecimento da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS).
Essa condição deixou incapazes os modelos numéricos, até para previsões
de curto prazo. Por essas características inusitadas do fenômeno
climático, vários colegas cogitam tratar-se já das primeiras
manifestações de mudanças climáticas associadas ao aquecimento global.
Porém, não sabemos ainda como os vários fatores interagiram para
produzir a seca, quanto dela é resultado de uma forçante de mudanças
climáticas globais, quanto tem a ver com o desmatamento e a degradação
florestal na porção oriental da Amazônia. Mas sabemos que parte importante da seca foi por conta da ausência do
aporte de matéria-prima para chuvas, e também que a umidade amazônica
não propagou para o Sudeste. Embora não possamos consultar uma bola de
cristal para saber o que esperar do futuro, sabemos já que o
desmatamento afeta o fornecimento de vapor para a atmosfera e prejudica o
transporte deste para regiões a jusante dos rios aéreos. E sabemos que o
Sudeste é receptor e dependente da umidade exportada como serviço
ambiental pela floresta amazônica. Então, pode-se afirmar que se não
recuperarmos a floresta, ou pior, se ainda por cima continuarmos com o
desmatamento, estaremos serrando o próprio galho onde sentamos.
As metas brasileiras de redução do desmatamento são suficientes para mitigar os efeitos no clima? O que falta ser feito?
Absolutamente não. Todas as evidências científicas apontam para o
fato de que o gigantesco desmatamento acumulado já afeta o clima. Isso
significa que o desmatamento acumulado já passou da área máxima
tolerável antes do clima ser alterado de forma permanente. Em outras
palavras, é imperioso o desmatamento zero, e para ontem. As metas brasileiras de desmatamento não somente ignoram a ciência,
como postergam para décadas no futuro uma necessidade urgente de ação
que deveria haver sido feita décadas atrás. Assim como a inação
irresponsável de governadores e outras autoridades levou muitas cidades
no Sudeste à beira do colapso no fornecimento de água, as minguadas e
débeis metas brasileiras de redução do desmatamento têm chance zero de
mitigar os efeitos no clima, e mais, garantem o agravamento da situação. O que é o pior é que tal injustificável procrastinação pode levar
todo o sistema Amazônico a uma situação de colapso climático, na qual se
ultrapassa um ponto de não retorno levando toda a região para a
savanização ou mesmo para a desertificação. Falta aos formuladores de
politicas públicas, governantes, elites influentes e formadores de
opinião caírem na real, absorverem diligentemente a informação
qualificada disponível e agirem de acordo, o que significa colocar o
Brasil na liderança de um enorme e sem precedentes esforço de guerra
contra a ignorância, contra o desmatamento, contra o fogo, a fumaça e a
fuligem, e a favor da restauração das florestas nativas.
NOTA: Os governantes do Brasil não souberam e não aprendem a lidar com a Petrobras, será que vão ligar, agora, para a Floresta Amazônica? (grifos meus)
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
Digitado e postado por Livre para Voar; em 03/3/2015 às 14:04 horas
Nenhum comentário:
Postar um comentário