Copiei a ideia desde título do livro When Medicine Went Mad, editado por Arthur Caplan (1), um grande bioeticista norte-americano. E se a medicina pode enlouquecer, a conclusão é que há um padrão de sanidade a ser reconhecido. Muitas vezes sou questionado sobre meu trabalho e minhas pesquisas. Por que se preocupar com o que médicos mortos há mais de mil ou dois mil anos disseram? Por que buscar os escritos desatualizados da tradição hipocrática e cristã? É claro que os escritos antigos estão cientificamente desatualizados, mas guardam o aspecto eterno que repousa nos valores e na experiência humana. remexo tanto no passado, e no presente, da Ética Médica e Bioética porque trabalho com a essência da medicina, com a nossa identidade enquanto profissionais da área da saúde.
Num antigo seminário promovido pela Associação dos Estudantes de Medicina em Vitória, no Espírito Santo, lembro-me de um colega que defendeu a possibilidade de a Medicina se compatível com qualquer ideologia politica que você tenha. O que defendia à época, e ainda defendo, é a essa ideia errada e perigosa. Aliás, perigosíssima. Enquanto os médicos não adquirirem a cultura e a bagagem humanística necessária, poderemos ser sempre alvos das piores monstruosidade e distorções da prática médica. Basta uma pequena mudança de foco, um pequeno resultado de engenharia social, e pronto! O estrago está feito. Se por algum momento o médico acreditar que seu principal objetivo não é beneficiar o paciente e sim, promover o progresso ou avanço da ciência, tudo estará perdido. Se por algum momento o médico acreditar que seu principal objetivo é promover um tipo de visão social coletiva e revolucionária, crimes inconfessáveis serão perpetuados.
Estes são os exemplos da medicina nazista e comunista. Adiante, oferecerei algumas passagens perturbadoras daqueles que vivem na carne o resultado da medicina que se esqueceu da própria ideia - a de que o principal dever do médico não é com seu paciente - tudo muda. Sara Seiler Vigorito relata que, aparentemente, os médicos nazistas eram normais, tinham as suas famílias, atendiam em hospitais e trabalhavam com diligência. A única exceção era a de que se dedicavam a um propósito alternativo (2). Haviam de fato se desligado da tradição hipocrática e cristã da medicina. O ser humano, uma vez destituído de sua posição de prioridade, virou simples mercadoria. Enquanto vivos, prisioneiros em campos de concentração nazista eram utilizados como cobaias em experimentos desumanos.
Uma vez sacrificados, seus cabelos serviriam para fazer o estofo dos colchões, a gordura serviria para fazer p sabão (produzido pelos próprios prisioneiros e futuras fontes de "matéria prima"; a pele ofereceria tecido para produção de abajures e os dentes de ouro iriam para os cofres nazistas (3) Eva Kor e sua irmã sobreviveram aos horrores do campo de concentração nazista sob os cuidados do terrível Joseph Mengele. Relatos especialmente assustadores nos alcançam daqueles que sobreviveram à experiência nos campos de estudos "científicos" em gêmeos, coordenados pelo médico Joseph Mengele, doutor em Antropologia, o mais famoso carniceiro entre os médicos nazistas. Eva Mozes Kor foi presa junto com sua irmã gêmea, e relata que gêmeos idênticos eram "preciosos" para Mengele.
Richard Baer, Josef Mengele e Rudolf Hoes, havia de tudo. desde vivisseções, passando por sutura corporal entre dois gêmeos para testar rejeição, até experimentos de injeção de microrganismos para testar eficiência de armas biológicas e a verificação de quanto sangue alguém poderia perder antes de morrer. E a sensação era de que o ser humano se tornara um pedaço de carne (4). Posso compreender por que Margaret Somerville afirma que a ideia mais perigosa do mundo é acreditar que, o ser humano, nada tem de especial.(5). E também confirmo minha percepção inicial de que a medicina não é compatível com qualquer ideologia. Eu diria que ela é frontalmente oposta a determinadas ideologias.(6). O tão famoso mantra de Georgetown, presente na abertura do livro mais famoso nos círculos
de estudo da Bioética, proclama que os grandes problemas éticos do presente e a evolução tecnológica promovem desafios que precisam de uma nova ética.
Citam a medicina nazista como exemplo (7). Eu ouso dizer diferente: foi a insensibilidade moral de uma geração de médicos que optaram por ignorar a moralidade cristã e hipocrática que fundamentou a nossa medicina que permitiu tais atrocidades. Muitos poderiam alegar que os médicos foram forçados a fazer isso por causa de um governo tirânico. Porém, evidências fortes indicam que os médicos destituídos da identidade profissional adequada não somente se voluntariaram para processos de eugenia e pesquisa desumana, eles lideraram o establishment acadêmico, ocupando um alto percentual de reitorias, publicando centenas de periódicos científicos e integrando as fileiras nazistas (8). Qual foi o grande erro? os médicos esqueceram quem eles eram e quem eles deviam buscar ser.
Acreditaram que a nova racionalidade e a nova moralidade deveriam ascender em detrimento da moralidade de escravos que imperava anteriormente, como já dizia Nietzsche ao se referir à moralidade cristã. Hoje a Bioética novamente parece sonhar uma libertação moral da antiga moralidade. Projetos fantásticos de libertação moral nos empurram para futuros mais eficazes, de alta tecnologia, de aprimoramento, de contenção de desperdícios, de uma visão nova sobre o que é o ser humano. E ao que parece, ainda não aprendemos as velhas lições, positivas ou negativas. Mas assim é o crescimento moral do ser humano: a cada nova vida, um novo desafio para reconquistar e encarnar tudo aquilo que provou ser bom ao longo de nossa história. A medicina tem sua identidade e, portanto, tem um modelo bem especifico a ser seguido em termos éticos.
É claro que cada tempo exige novos arranjos, pois as situações especificas sempre mudarão trazendo novidades. Todavia, as regras gerais e fundamentais permanecem, e sempre permaneceram ao longo das eras entre os mais diferentes povos capazes do esforço civilizacional (9).
Notas :
( 1 ) CAPLAN, Arthur L. When medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust. Totowa, New Jersey: Humana Press, 1999
(2) VIGORITO, Sara Seiler. A profile of Nazi Medicine: The Nazi Doctor - His Methods and Goals. In: CAPLAN, Arthur L. When medicine Went Mad: Bioethics and The Holocaust. Totowa, Nem Jersey: Humana Press, 1999,p. 9-13.
(3) KOR, Eva Mozes. Nazi Experiments as Viwed By a Survivor of Mengele's Experiments. In: ibid., p.3-8.
(4) Ibid.
(5) Somerville, Margaret. Bird on na Ethics Wire: Battles about Values in The Culture Wars. Chicago: McGill-Queen's University Press, 2015.
(6) Como já acredito que ficou claro em: Angotti Neto, Hélio. A Morte da Medicina. Campinas: Vide editorial, 2014.
(7) Beauchamp, Tom Childress, James Principles of Biomedical Ethics 7ª edition. Baltimore: Oxford University Press, 2012.
(8) Proctor, Robert N. Nazi Biomedical Policies. In. Caplan, Arthur L. When medicine Went Mad: Bioethhics and The Holocaust. Totowa, New Jersey: Humana Press, 1999, p. 23-42 .
(9) Lewis, Clive Staple. A Abolição do Homem. Rio de Janeiro Brasil: Editora Martins Fontes, 2012.
Profº Doutor Hélio Angotti Neto, autor do livro "A Morte da Medicina" da UNESC, Diretor da Birabilia Medicina ( Revista Internacional em Humanidades Médicas), membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do center for Bioethics and Human Dignity em 2016, membro do Comité de Ética em Pesquisa da UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à medicina, SEFAM - wwwmedicinaefilosofia.blogspot.com.br
Boa Noite Publiquei no meu blog seu belo texto Preciso confeccionar seu link. P/ favor manda pra mim poder te enviar. Gostei de seu desembaraço. Aliá, vc é professor. Fiz com bastante carinho. Estou acamada com imunidade zero Saudades de vc p/ enquanto n/poso receber visita. Hoje estou vestida com um pijama branco que vc, nos deu. De preferencia não comenta nada. beijão da Pituca. Agora vc sobe a barra e vais ler seu trabalho.
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