domingo, 17 de maio de 2015

O OUTONO...

Por Rubem Alves
Foi-se finalmente o Verão, não sem antes fazer algumas grosserias e malcriações: trovejou, relampeou, choveu e inundou. Não queria ir embora. Compreendo. Queria ficar para ver e namorar o Outono, que é muito mais bonito que ele. Verão quarentão:  recusava-se a aceitar os sinais da passagem do tempo. Não queria dizer adeus, gostaria de ficar, a vida é tão boa. Mas o tempo é implacável. O sol lhe disse que a hora do seu adeus havia chagado. Foi-se inclinando no céu, suas viagens cada vez mais curtas, as noites mais longas, o crepúsculo chegando mais cedo, as manhãs chegando mais tarde. O vento antes convidava a que se tirasse a camisa. Agora ele causa arrepios e chama os agasalhos das gavetas onde dormiam.
No verão o excesso de luz ofusca as cores. No Outono a luz fica mais mansa e as cores desabrocham em flores. O verão é inquieto. Tudo nele convida a sair e agir. O Outono é tranquilo, introspectivo, convida ao recolhimento e à meditação. É um convite ao pensamento. Gosto especialmente de suas tardes. O Verão é a estação do meio dia. O Outono vive mais ao sul que se opõe. E como são belos os dois, Outono e tardes, meu Deus! Há uma pitada de tristeza misturada no ar. "O que é bonito enche os olhos de lagrimas " dizia Adélia!!! Os dois se parecem porque estão cheios de adeus. Na cidade onde vivi, no interior de Minas Gerais, ao crepúsculo se tocava a Ave Maria, e era como se toda a tristeza parasse e rezasse.
Eu gostava de ficar olhando para as árvores: havia uma imobilidade absoluta no ar. Nenhum único tremor perturbava a tranquilidade pensativa das folhas. E as nuvens ao poente se coloriam de verde claro, passando pelos amarelos, laranjas e vermelhos, até roxo, que se preparava para desaparecer na escuridão. Tudo Belo!  Tudo Triste! E pensamos pensamentos diferentes daqueles de durante o dia. Para Wordsworth, " as nuvens que se ajuntam ao redor do sol que se põe ganham seu colorido triste de olhos que têm atentamente observado a mortalidade dos homens" O crepúsculo e o Outono nos fazem retorna  à nossa verdade. Metáforas de nós mesmos eles nos fazem lembrar que somos  seres crepusculares, Outonais. Também somos belos e triste. 
Como o Verão quarentão, também nós não queremos partir...Quem quiser que pare para ouvir as vozes do Outono e da tarde perceberá que dentro de sua beleza, nos falam de nossa vida e de nossa morte. Nada mórbido! Só podem viver bem aquele que aprendeu a Sabedoria que a morte nos ensina. É preciso contemplar o crepúsculo no horizonte para sentir a beleza incomparável do momento. Cada momento  é único. Não há tempo para brincadeiras. Carpie  diem: "Olha o dia, como algo que nunca mais se repetirá, como quem colhe o crepúsculo,  antes que se quebre a corrente de prata, e se despedace a taça de ouro". beba o momento até às últimas gotas. É preciso olhar o Abismo face a face, para se compreender que o Outono já chegou e que a tarde já começou
Cada momento é crepúsculo. Cada momento é Outonal. Sua beleza amacia seu eminente mergulho no horizonte. Quanto ao sol a pino estas ideias não  nos perturbam. Tudo parece estar bem. Há muito tempo as rotinas do trabalho ocultavam a  nossa verdade. Mas elas não podem impedir nem que a tarde chegue; com cores de adeus, nem que o Outono chegue, anunciando a proximidade do inverno. Eles nos forçam a ter pensamentos diferentes, pensamentos de solidão. São mestres silenciosos.  Se prestarem a atenção e ouvirmos o que nos dizem, ficaremos sábios. Porque sabedoria é isto: "contemplar o Abismo, sem ser destruído por ele"
Fonte: Sirle, desde que Gilberto partiu procuro o Outono. Bjs 
           Postado por Iracema Alves - jornalista cadeirante

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