Sobra fantasia e falta planejamento na revisão orçamentária mandada pelo Executivo no Congresso na terça-feira. O governo mantém a previsão de R$ 24 bilhões de superávit primário, isto é, sem contar o gasto com juros, e o compromisso de podar apenas R$23,4 bilhões das despesas discricionárias. A fabulação se completa com R$ 47,5 bilhões de receitas extraordinárias, dependentes, em parte, de um tributo inexistente. O direito de acreditar nesses números, assim como Papai Noel ou no coelhinho da Páscoa, é assegurado pela Constituição. Mas nem os Ministros da área financeira e econômica parecem levar a sério esse exercício de imaginação.
Se levassem, porque teriam proposto a tal meta fiscal flexível, com margem para um déficit primário de até R$ 60,2 bilhões? A nova combinação de cifras aparece na revisão bimestral de receita e despesas, parte obrigatória do ritual das finanças públicas. O cenário econômico de referência traz um pouco mais de realismo ao
ao conjunto. A revisão prevista para o Produto Interno bruto (PIB) passou de 1,88% para 2,94%, a inflação esperada aumentou de 6,4% para 7,10% e o câmbio médio subiu de R$ 4,09 para R$ 4,11 por dólar. Com a expectativa de uma recessão mais funda, o valor previsto para a arrecadação administrada pela receita Federal, sem o dinheiro da Previdência, passou de R$88,5 bilhões para R$870,18 bilhões.
A receita liquida estimada para a Previdência subiu, no entanto, de R$ 362,71 bilhões para R$366,76 bilhões. O corte das despesas discricionárias, isto é, dependentes da decisão do governo, continuou em R$ 23,4 bilhões nos gastos obrigatórios (incluída a folha de pessoal). A redução efetiva, portanto, ficou em R$ 13,65 bilhões. Aí termina a parte menos irrealista do relatório. Receitas extraordinárias de R$ 47,5 bilhões estão previstas como solução para fechar as contas. os autores dos relatórios incluíram nessa categoria os valores proporcionados pela Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), pelas operações programadas com ativos federais e pela cobrança de tributos gerada pela regularização de recursos mantidos no exterior.
Para a CPMF, extinta em 2007, é por enquanto uma fantasia. Esse tributo só voltará a existir se os congressistas aprovarem o projeto do Executivo. Muitos parlamentares, até da base do governo, se têm manifestado contra a recriação do chamado imposto do cheque.
Outras dezenas de bilhões de receita extraordinária também são muito incertas, porque dependerão das tais operações com ativos federais e, em menor parte, da regularização, por enquanto duvidosa, dos valores mantidos no exterior. Mas a arrecadação imaginária vai além do conjunto de receitas classificadas como extraordinárias. As projeções de receita incluem R$30,9 bilhões correspondentes de concessões e permissões.
Esse valor inclui R$ 22,7 bilhões correspondentes a concessões de usinas hidrelétricas negociadas no fim do ano passado (2015). O Tesouro já recebeu R$11 bilhões correspondentes à primeira parcela. O resto ainda será recolhido. Para o total previsto ainda faltarão R$8,2 bilhões e isso dependerá de novas concessões, tarefa nem sempre bem conduzida pelo governo da presidente Dilma Rousseff. Por enquanto, sobram razões para duvidar das projeções do governo para a política fiscal. A pouca segurança das previsões depende, neste momento, principalmente da margem para um déficit primário de até R$ 60,2 bilhões. Mas a recessão e a crise política ainda podem tornar duvidoso até esse limite. Só os otimistas podem falar com segurança, hoje, sobre o fundo do poço...
Fonte: Editorial do Jornal o Estado de S. Paulo - 3/3/2016 - atualizado para 05/03/2016
Iracema Alves
jornalista cadeirante
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