quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Parkinson, por Dentro do Mistério





Da Redação: Jornalistas Maria Fernanda Vomero / Adriano Sambugaro



As primeiras mudanças no organismo não chamam a atenção. No início, aparece uma sensação constante de cansaço ou mal estar no fim do dia. Depois vêm as dores musculares,  especialmente na região lombar. Aos poucos a caligrafia tende a ficar menos legível. Sem motivo aparente, o paciente sente-se deprimido e irritadiço. A voz torna-se monótona e menos articulada e os movimentos vão ficando vagarosos. Pernas e braços parecem rígidos. Atividades cotidianas, como abotoar uma blusa, antes executadas com facilidade, viram tarefas complicadas. Mas o susto vem quando, subitamente, aparece o tremor. Pode ser da rotina estafante, pensa o paciente. Mas o incomodo não passa. Depois de uma peregrinação por consultórios médicos, o diagnóstico geralmente acontece por exclusão. O neurologista descarta a hipótese de um derrame cerebral ou do efeito de uma medicação qualquer.
 
"Você tem Parkinson, uma doença neurodegenerativa", afirma.  "Os principais sintomas são motores". "Na mente angustiada do paciente, surpreendido pela notícia, pipocam imagens de decrepitude física como o diagnóstico de Parkinson fosse uma condenação ao isolamento pelo resto da vida. Nada mais ilusório. A doença de Parkinson integra o rol das enfermidades ligadas ao envelhecimento. Acomete pessoas na faixa de 60 anos de idade em diante, mas pode eventualmente, aparecer antes - como o caso do ator Michael J.Fox - que descobriu a doença aos 30 anos. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, atualmente a doença atinge 4,7 milhões de indivíduos em todo o Planeta. Devido à maior expectativa de vida da população mundial, o número de casos de Parkinson tende a crescer. Por isso, cientistas têm se debruçado com ávido interesse sobre a doença, buscando decifrar suas misteriosas causas e, assim tornar possíveis tanto a prevenção quanto a cura.  
 
Quem descreveu a enfermidade pela primeira vez foi o médico inglês James Parkinson, na mamografia intitulada "Um Ensaio sobre a Paralisia Agitante", de 1817. Antes,  existiam na literatura médica apenas menções e sintomas isolados. Décadas mais tarde, o neurologista francês Jean-Martin Charcot constatou que a tal "paralisia agitante" não era bem uma paralisia, mas sim rigidez muscular, e que nem todos os pacientes presentavam tremor. Decidiu, então, rebatizar a doença com o nome de Parkinson, como uma homenagem ao pioneiro no assunto. "Nem sempre o paciente apresenta esses quatro sinais", diz o neurologista Henrique Ballalai Ferraz, especialista em Distúrbios de Movimento da Universidade Federal de São Paulo. "A ocorrência  de pelo menos dois deles e a ausência de causa definida podem ser suficientes para fazer o diagnostico". Outros indícios, como a perda da expressividade facial e problemas como o sono, também são frequentes e ajudam no veredito final. O Parkinson  afeta mais um lado da substância negra do que o outro. Por isso, os sintomas sempre se manifestam com mais evidencia num dos lados do corpo.
 
Mas não se trata de um diagnostico simples. Afinal, tremor, rigidez e acinesia não são características exclusivas da doença de Parkinson. Estão presentes em um conjunto de enfermidades designadas pelo termo genérico de "Parkinsonismo."  Essas enfermidades também provocam distúrbios  motores, como a doença de Parkinson, mas todas ela têm causas determinadas - e nenhuma relação com os neurônios  da substância negra. Estima-se que de 20% a 25% dos pacientes diagnosticados com doença de Parkinson venham a descobrir que sofrem, na verdade, de uma outra forma de Parkinsonismo. Os motivos pelos quais as células da substância negra passam a morrer gradualmente ainda não estão de todo compreendidos. "É possível que haja uma disfunção na lixeira celular", afirma o neurologista Francisco Cardoso, da Clínica de Distúrbios do Movimento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) . "O metabolismo da células gera resíduos indesejáveis, que precisam ser eliminados. Se isso não ocorre, a célula começa a acumular substâncias tóxicas que vão levá-las à morte".
 
"Duas proteínas - a alfa-sinucleína  e a sifilina  - estão envolvidas na alteração do sistema de recolhimento de lixo dos neurônios presentes na substância negra. Os cientistas descobriram que, na doença de Parkinson essas proteínas (que não são degradadas quando deveriam) formam depósitos fibrosos microscópicos, chamados de "corpúsculos de Lewy" , no interior dos neurônios. Esses corpúsculos  agiriam como veneno para as células. Mas não seria somente o sistema de degradação de proteínas que estaria alterado na doença." "Haveria também um acúmulo de radicais livres nos neurônios dopaminérgicos", afirma  a neurocientista brasileira Simone Engelender, do Instituto de Tecnologia Tecnicon, de Israel.  Radicais livres são moléculas resultantes de reações químicas do próprio organismo. Danosas a várias estruturas celulares, tais moléculas normalmente são eliminadas por mecanismos orgânicos. No entanto na doença de Parkinson, há uma grande quantidade anormal de radicais livres, o que desencadeia um processo tóxico e a consequente morte dos neurônios ." Como as duas hipóteses são possíveis, a causa da doença de Parkinson pode ser a combinação de múltiplos fatores intracelulares", diz Simone.  
 
Não se sabe exatamente o que motivaria tais alterações internas do neurônios. Hoje os cientistas admitem que a predisposição genética, combinada com fatores ambientais, pode ser determinante no aparecimento da doença. " Já foram identificados  pelo menos seis genes relacionados à doença de Parkinson, diz Francisco." Dois deles, hereditários, provavelmente desencadeiam a doença. Os demais podem tornar os portadores suscetíveis" O gene da proteína alfa-sinucleína (aquela encontrado numa grande família de ítalo-americanos com diversos  indivíduos portadores de Parkinson. Recentemente, cientistas descobriram três famílias gregas cujos parkinsonianos também tinham esse gene. No entanto, exames em pacientes sem histórico familiar da doença não indicam a presença de anormalidade no gene da doença de Parkinson", diz Anthony Lang. O mesmo acontece para gene parkin, situado no cromossomo 6, responsável por casos de Parkinson em pacientes jovens, na faixa de 20 anos de idade.
 
A contribuição do ambiente e do estilo de vida não foi plenamente compreendida. Diversos estudos estão em andamento para investigar o papel dos pesticidas e das toxinas no disparo da doença. Um grupo de pesquisadores americanos, da Universidade da Califórnia, em Davis, constatou que tipos raros de uma bactéria presente no solo podem estar envolvidos na doença de Parkinson. "Descobrimos que essa bactéria é capaz de induzir os neurônios da substância negra à apoptose" diz o microbiologista Blaine Beaman. Apoptose significa morte programada da célula ,, um mecanismo orgânico normal. A bactéria aceleraria o processo, provocando a morte prematura dos neurônios. Outra frente de pesquisas dedica-se a encontrar caminhos para a prevenção do Parkinson. A neurocientista australiana Kay Doule, da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, pesquisa um exame de sangue que identificaria a presença da doença antes de boa parte de substância  negra ter sido perdida e os sintomas surgirem.  "O exame de sangue poderia detectar uma resposta imunológica associada à morte das células", diz Kay.
 
Ela e seus colegas descobriram que os neurônios, quando se degeneram, liberam neuromelanina, o pigmento escuro que dá cor às células da substância negra. A  existência
da neuromelanina em outros tecidos cerebrais estimula o sistema imunológico a produzir anticorpos específicos para "limpar", afirma a cientista.  a área. Daí a possibilidade de usar um exame de sangue para rastrear esses anticorpos. "O teste também mostraria se alguém tem Parkinson ou algum tipo de Parkinsonismo". Mesmo com a quantidade de pesquisas perscrutando as causas do Parkinson , no momento a cura da doença ainda permanece um sonho intangível! No entanto, se há algumas décadas pouco se pode fazer pelo paciente, os tratamentos hoje disponíveis, aliados a terapias não-medicamentosas, coma fisioterapia e a fonoaudiologia, mantém os sintomas de Parkinson sob controle e possibilitam que os pacientes tenham uma vida satisfatória e produtiva. ''A levodopa ainda é o medicamento mais eficaz", afirma Henrique Ferraz. Comercializada desde o fim dos anos 1960, a droga se transforma em dopamina quando chega ao cérebro , repondo as quantidades necessárias as substância. Com o passar do tempo, porém, sua ação no organismo dura cada vez menos e aparecem os efeitos colaterais. Para reverter esse quadro, entraram em cena os chamados agonistas da dopamina, substancias que imitam o neurotransmissor na hora de enviar meu sangue às demais células.
 
"Os agonistas são menos potentes, mas produzem menos complicações. Podem se usados como tratamento inicial", diz Francisco Cardoso. Assim, efeitos colaterais da levodopa, com os momentos involuntários, podem ser retardados e  até evitados. Existem também duas modalidades de cirurgia como opção para os pacientes que já não respondem bem aos medicamentos. Uma delas é a cirurgia ablativa, que visa destruir áreas especificas do cérebro  alteradas pela doença. A outra chama-se estimulação cerebral profunda e consiste na implantação de um marca-passo para corrigir estímulos incorretos enviados de uma região cerebral para outra. Essas cirurgias não são curativas, mas aliviam sintomas fora do controle. Estão em testes, na Suécia e nos Estados Unidos, onde o aborto é legalizado, os polêmicos  transplantes de células fetais. Neurônios produtores de dopamina retirados dos fetos abortados são implantados no putâmen dos pacientes. Já foram feitas cerca de 150 cirurgias desse tipo e os resultados têm sido razoáveis. "Os transplantes permitem um suplemento  contínuo de dopamina, como ocorre no cérebro saudável, e evitam as flutuações associadas à levodopa na concentração desse neutransmissor", diz o neurologista Curt Freed, da Universidade do Colorado, que fez o primeiro transplante em 1988.
 
." A controvertida técnica requer quatro fetos para cada paciente. Uma alternativa para transplante de células fetais seria usar as chamadas células-tronco, capazes de originar qualquer tipo de tecido. Encontradas em embriões e também em diversas partes do organismo, como a medula óssea, elas podem se transformar em neurônios  e produzir dopamina. Experimentos em camundongos estão em andamento. "As células que implantamos eram ainda indiferenciadas. Elas viraram neurônios no cérebro dos animais e passaram, então, a fabricar dopamina", diz o neurocientista Lars Bjorklund da faculdade de medicina Harvard, nos Estados Unidos, .Boa parte dos bichinhos apresentou melhora significativa nos sintomas motores. Testes clínicos em ser humano devem acontecer dentro de cinco a sete anos. A crença do parkinsoniano na sua capacidade de superação dos limites motores também parece ser um componente fundamental no tratamento. A equipe do neurologista Jon Stoessi, da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, estudou o
papel do efeito placebo na reversão dos sintomas do Parkinson. Eles constataram que a expectativa da recompensa (a melhora na condição física) por si só ativa o sistema de produção de dopamina e de outros neurotransmissores . "Medicamentos usados para controlar os sintomas da doença aumentam a disponibilidade de dopamina."
 
Faz diferença portanto, lidar bem com os desafios impostos pela doença. Na Associação Brasil-Parkinson , por exemplo, uma entidade localizada em São Paulo que atende portadores da doença, os parkinsonianos encontram, além de serviço de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia e nutrição, atividades como oficina de artes e o coral. Os parkinsonianos não desistam de acreditar na Vida, Saúde, Sorte e Sucesso.
 
Redatora do Blog
Iracema Alves
jornalista e gestora cadeirante
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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